Sandro Mabel
Presidente do Conselho da Mineração (Comin) da CNI
Luis Azevedo
Vice-presidente do Conselho da Mineração (Comin) da CNI
Ninguém duvida de que o Brasil será diferente depois da pandemia da COVID-19. No âmbito individual, com o isolamento social, reconhecemos a fragilidade da nossa existência.
Os dirigentes de grandes metrópoles, seja Nova York ou São Paulo, percebem que o vírus é mais ameaçador do que um avião-bomba ou mais letal que a violência urbana. Nas periferias, percebemos o absurdo da convivência com as favelas e bolsões de miséria pelo país, relegando aos cidadãos mais pobres a solução da sua pobreza ou a convivência com a falta de acesso a um sistema de saúde que os atenda.
A indústria se vê, subitamente, desafiada a produzir em escala emergencial à demanda de ventiladores mecânicos para pacientes graves da COVID-19. E, de imediato, percebemos que é necessário resgatar e fortalecer a indústria nacional, não apenas momentaneamente, mas com uma política de desenvolvimento socioeconômico para todos os segmentos. É preciso construir um novo modelo que contribua de forma relevante para o seu desenvolvimento, incluindo a produção dos seus insumos, sobretudo aqueles de base mineral.
A mineração pode, sim, ser indutora do desenvolvimento industrial do país. E, assim, atrair investimentos para a sua cadeia de fornecedores, que precisa ser competitiva frente aos concorrentes externos.
Quanto mais importantes forem as economias de escala e menores os custos de transporte, mais as empresas consumidoras dos insumos minerais tenderão a instalar-se nas proximidades das minas, formando aglomerados industriais em uma mesma região. O resultado será a promoção do crescimento do setor e o desenvolvimento regional.
Nesse cenário, é fundamental que o Brasil se mantenha inserido nas cadeias globais de valor. Deve, para tanto, aproveitar a única "safra mineral" e desenvolver a sua cadeia de fornecedores de máquinas, equipamentos e serviços para a mineração, visando aos mercados interno e externo. Dessa forma, poderá estruturar redes de tecnologias para desenvolvimento integrado de bens e serviços de alto conteúdo tecnológico e maior agregação de valor.
Além de intensificar o desenvolvimento tecnológico e a inovação, deve-se melhorar o ambiente de negócios para o setor mineral brasileiro com crédito acessível, simplificação tributária e facilidade para o uso de garantias pelo investidor. O objetivo final é posicionar o Brasil como um grande player fornecedor, não apenas de bens minerais, mas de máquinas, equipamentos e serviços qualificados. E ainda, colateralmente, reduzir nosso distanciamento social, e nos retirar da vala da informalidade da economia em que o modelo atual nos colocou.
O minério de ferro é o carro-chefe da nossa produção mineral no Brasil. Em valor da produção, esse bem mineral ocupa o segundo lugar na sua oferta mundial e responde por 64,2% de nossa pauta mineral de exportações. Já o nosso nióbio (ligas de ferro-nióbio), por diferenciação de produto se destaca em termos de competitividade, detendo mais de 90% do market share global.
Todavia, o Brasil, no geral, exporta produtos com baixo valor agregado. Ainda que o saldo comercial do setor seja positivo, o país precisa implementar uma política de estímulo à agregação de valor do insumo mineral. Essa diretriz deve fortalecer e integrar os elos dessas cadeias produtivas – não apenas do ferro, mas pela verticalização da produção interna dos segmentos de outras commodities industriais.
Não podemos incorrer no erro da "doença holandesa", fenômeno vivido nos Países Baixos nos anos 1960. As suas exportações de recursos naturais abundantes implicaram declínio do setor manufatureiro, causando a não industrialização ou até mesmo desmobilizando sua produção industrial. Não é o que queremos para o Brasil e nem para o setor da mineração, ao se eventualmente permitir eternizar a primarização da nossa pauta exportadora.
Cabe ressaltar que caminhos que não valem a pena ser trilhados nesse processo, como o protecionismo com barreiras tarifárias ou a tributação da exportação de minérios pelo ICMS, que não devem prosperar. Soluções que já se mostraram inviáveis nas últimas décadas. Tributar a exportação de bens primários com o intuito de aumentar a arrecadação de ICMS dos estados produtores é uma medida totalmente equivocada, como propõe o Proposta de Emenda à Constituição 42 (PEC 42), em tramitação no Congresso Nacional. Essa PEC, por exemplo, revoga a isenção de ICMS na exportação de produtos não industrializados e semielaborados, medida tributária que afogaria ainda mais a produção mineral nacional e, também, nem sequer estimularia a agregação de valor da matéria-prima no país.
O aumento da competitividade mineral do Brasil no mercado global passa pela diversificação de bens de que o país é dependente. É necessário que se criem mecanismos de fomento à exploração mineral de produtos menos abundantes e acessíveis, mas importantes para atender à nossa demanda.
Países como Austrália e Canadá adotaram políticas de fomento mineral nos anos 2000. E, de um estágio econômico semelhante ao brasileiro, desenvolveram e diversificaram o setor da mineração. Chegaram à liderança mundial na produção de dezenas de bens minerais.
Enquanto isso, o Brasil parou no tempo, apesar da nossa extensão territorial, do relevante mercado interno, de nossa potencialidade geológica. Fundamental é ressalvar que, apesar da falta de apoio, a iniciativa privada, atenta a essas tendências de mercado, tem investido na busca por novos depósitos e até melhorado a posição do Brasil como detentor de reservas minerais dessas substâncias, mas de forma ainda bastante incipiente.
Por não ter incentivos para atração de investimentos em pesquisa mineral, não temos descoberto jazidas de substâncias das quais somos dependentes, atualmente. Mantemo-nos, assim, como importadores de fertilizantes, carvão, cobre, zinco, enxofre e níquel, por exemplo, porque nossa produção desses insumos não atende à demanda interna. Certamente que o caminho a ser trilhado não é com financiamento externo por meio de bolsas estrangeiras. Temos de criar os nossos próprios meios, ou seja, uma bolsa para venture capital, fortalecendo o ambiente de negócios interno de forma efetiva.
Daí, é determinante a necessidade de que o país adote medidas de atração de investimento em mineração, principalmente em pesquisa mineral. É imperioso ampliar a descoberta de novas jazidas, assegurar a reposição das reservas minerais e o fortalecimento da mineração brasileira.
As médias e grandes empresas brasileiras de mineração já possuem um nível de complexidade tecnológica comparável ao de outros países mineradores. No entanto, se não ocorrerem investimentos na permanente modernização desses processos, poderemos perder competividade, particularmente com o advento das tecnologias da mineração 4.0, já praticadas em muitos países desenvolvidos.
Devemos estimular o desenvolvimento tecnológico e a inovação de produtos e processos com incentivo aos nossos centros de tecnologia, integrando as nossas oficinas e escolas técnicas com laboratórios estruturados com equipamentos de última geração (impressoras 3D, por exemplo) e apoiados na capacidade da indústria de eletroeletrônica ainda existente no país.
Por meio de incentivos fiscais, é necessário ampliar os dispêndios em desenvolvimento tecnológico e em inovação para permitir a diferenciação de produtos competitivos, promover a verticalização e diversificar a produção com bens de alto conteúdo tecnológico. O país precisa inovar, ainda, em processos produtivos da mineração com ganhos de produtividade e diferencial de custos, assim como em novos produtos alinhados com as tendências globais.
Em meio às crises da pandemia e econômica dela decorrente, assim como promovemos no tempo certo as medidas de isolamento, que salvaram tantas vidas, devemos nos antecipar e preparar o país para superar as cicatrizes deixadas pela maior depressão do século, antes que seja tarde.