Marco Antônio
Historiador, doutor em educação e professor do UniBH e UNA
Com mais de cinco milhões de inscritos em 2019, o Enem é o segundo maior exame para o ingresso ao ensino superior do mundo, ficando atrás apenas do Gao Kao, um modelo equivalente aplicado na China. Qualquer mudança relacionada a um evento desta magnitude é bastante complexa e não pode se dar sem uma série de estudos e consultas aos interessados. A despeito disso, sem estabelecer um debate público, a única pauta que o MEC conseguiu emplacar durante a pandemia que assola o país foi a data de realização das provas do Enem. Manter o exame, contra tudo, contra todos e em quaisquer condições, foi o mote que orientou o ministro da Educação.
Definições tão estratégicas para um país de dimensões continentais, com realidades econômicas bastante heterogêneas e uma sociedade tão multicultural, carecem de um diálogo nacional envolvendo pesquisadores, professores, instituições de ensino e entidades representativas da sociedade civil. Mas parece que o atual ministro da Educação não tem ideia da responsabilidade e do papel estratégico que deve desempenhar quem ocupa essa pasta. Apesar disso, depois de uma intensa campanha nas redes sociais, uma derrota acachapante da proposta no Senado e uma intervenção direta do presidente da Câmara dos Deputados junto ao presidente da República, o Enem foi adiado.
Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, em sua recorrente atuação como franco atirador, o ministro afirmou ser um militante que assumiu o MEC e que continua pautando suas ações pelo espectro de sua militância. Não é por outra razão que questões fundamentais para a educação brasileira, e outras que exigem uma ação emergencial devido aos problemas oriundos do combate à pandemia, não fazem parte do escopo de discussões e da atuação do Ministério da Educação.
Entre diversos pontos que poderiam ser citados, estão nessa lista a falta de acesso de milhões de brasileiros a dispositivos e serviços de internet adequados para aulas remotas com seus professores. Essa é uma condição indispensável para minimizar as perdas com a suspensão das atividades presenciais.
Não existe, também, nenhuma ação pontual para combater de fato a evasão de muitos estudantes que adentraram o ensino superior, sobretudo em universidades particulares. Motivados pelo desemprego e a redução da renda, o número de estudantes que abandonam os cursos de graduação vem aumentando significativamente. Caso não haja uma intervenção eficiente, essa tendência se agravará ainda mais com a desaceleração da economia nos próximos meses.
Merece registro, ainda, a falta de uma atuação mais sistemática do MEC no combate ao negacionismo científico e em defesa do ensino laico, instrumento fundamental para garantir uma educação democrática, inclusiva e republicana.
E, por fim, não são demonstradas de forma clara, objetiva e convincente quais as ações de monitoramento, intervenção e investimentos estão sendo adotadas na implementação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – que estabeleceu uma lista de conteúdos e competências que devem ser alvo da educação básica - e na execução do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabeleceu, desde 2014, diretrizes, metas e estratégias para ser concretizadas até 2024, garantindo avanços importantes na melhoria da educação brasileira.
Enfim, não se conhece o projeto, as propostas de ações e resultados esperados no curto, médio e longo prazos desta gestão do Ministério da Educação. A militância política, com suas diversas tonalidades ideológicas e dentro dos princípios democráticos, é uma ação legítima, importante e necessária para garantir direitos fundamentais, pressionar autoridades apontando os rumos adequados para as ações governamentais e as referências para definição de políticas públicas. No entanto, a atuação dos governantes não pode se confundir com a paixão militante.
O militante defende uma causa, geralmente movido por um desejo pungente, a impulsividade, e uma inquietação necessárias para garantir que diferentes vozes, bandeiras e interesses sejam ouvidos em uma sociedade democrática. O governante, por sua vez, a partir de uma escuta social sensível e compromissada, pautado em dados, pesquisas, planos e projetos de governo, define políticas, toma decisões e implementa ações de curto, médio e longo prazos (que muitas vezes extrapolam seu próprio tempo de atuação). Nesse sentido, atende da melhor forma possível às demandas imediatas, antevê situações previsíveis, decide medidas que deverão ser adotadas e prepara o caminho para o futuro, seja ele próximo ou mais distante.
Além de uma formação adequada e uma qualificação técnica inquestionável, para alguém que assume um cargo tão importante para o desenvolvimento e futuro da nação, é condição sine qua non ter o mínimo discernimento para saber qual o comportamento apropriado e as funções básicas que devem ser desempenhadas por um ministro de Estado. O MEC não pode continuar à deriva.