Paulo Stucchi
Jornalista, psicanalista e escritor
O que vem depois? Aliás, há algo depois? Acho que não existe ser humano neste planeta que já não se tenha feito uma dessas perguntas (ou ambas). A atual pandemia de COVID-19 nos coloca, minuto após minuto, diante da ideia e do medo da finitude – nossa e daqueles a quem amamos.
Fato é que a morte é um mistério carregado de simbolismo em praticamente todas as culturas, do Oriente ao Ocidente. Descanso e libertação para alguns; caminho direto a uma eternidade de farturas para outros; aflição e desespero para ou- tros tantos; saudade que não cala para quem fica; inconformismo. Ao guerreiro, morrer no campo de batalha é preferível a viver uma vida omissa; ao religioso, morrer pelo Deus em que acredita é melhor do que uma existência de pecados. Por outro lado, a ideia da finitude para quem tem planos e projetos assusta: construir, produzir e, depois, morrer, mergulhar no breu eterno, deixando tudo para trás. Qual seria o sentido de tudo, então?
Desde que comecei minha série de romances com fundo histórico, a pesquisa sobre a morte esteve presente. Mais do que isso, dei-me conta de que ela, a morte, serve como um tipo de catalisador para uma mudança efetiva nos perso- nagens e para o desenrolar da trama. A perda de uma família inteira para a guerra no caso de Menina/Mitacuña; o suicídio em O triste amor de Augusto Ramonet; e, mais recentemente, em meu último romance, a morte como redenção em A filha do reich.
Noutros livros, ela também está lá, dando início a uma sequência de investigações em thrillers policiais; unindo corações nos romances açucarados de bolso; elevando a dor psíquica típica de Dostoievski e Kafka; ou promovendo alegorias bem-humoradas pelas palavras de gê- nios como Machado de Assis, Eça de Queiroz e Ariano Suassuna.
O que concluo? Que, apesar de temermos tanto, de alguma forma a finitude pela morte nos dá sentido; é a pena que embebemos em tinta para escrever nossa história. Impulsiona-nos adiante, até mesmo como forma de lutarmos para postergar o fim derradeiro. Sem o fim, o abraço não teria o mesmo sabor, o beijo seria menos doce, o término da saudade poderia ficar para depois – afinal, ter-se-ia todo o tempo do mundo.
Prefiro, enfim, ter a morte como uma espécie de amiga; aquela cuja visita sabemos que ocorrerá, porém, desconhecemos quando. Mas, até que a campainha toque, a expectativa de recebê-la nos leva a manter a casa limpa, o forno aceso, a família unida, a criatividade a todo vapor, o legado pronto para ser escrito.
Encerro deixando as palavras de Vinícius de Moraes: “A oeste a morte/contra quem vivo/do sul cativo/este é meu norte./Outros que contem/passo por passo: eu morro ontem/ morro ontem/nasço amanhã/ando onde há espaço: meu tempo é quando”.