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Eu, sobrevivente

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Georg Frey
Criminólogo, comissário especial de
 polícia, gestor de segurança pública
 
Eu sou Georg Frey. Antes de me apresentar, preciso confessar: sou filho de um suicida e já tentei me matar. Depois voltarei a falar sobre eventos que mudaram a minha vida e possibilitaram que eu iniciasse o meu trabalho ajudando pessoas, como agora.




 
Vamos em frente? Sim, pois seguir em frente faz parte da cura. Como se ajuda um suicida? Ganhando tempo. Diante de uma situação limite com um suicida precisamos ganhar tempo: cinco segundos, cinco minutos, cinco horas. Tempo para entender o que está acontecendo, a dor que ele está sentindo – para tentar reverter a ideia. Em minha experiência, alguns princípios da gestão de crise e de resgate de reféns se assemelham a lidar com um suicida. Também nesses casos precisamos é de ganhar tempo.
 
Por exemplo: quando uma suicida pergunta “me dê um motivo para que eu não me mate agora”, responda: “Sim, eu vou te dar, só me conte por que você está pensando em fazer isso”. Com essa frase ganha-se tempo, oferece-se a chance do desabafo. Parte importante da solução. Ouça sem julgar, apenas ouça sem interrupção, seja um ombro amigo. Quantas vezes nós só queremos que alguém nos ampare, escute e acolha? Ninguém pensa em morrer porque quer morrer. As pessoas querem acabar com a dor.
 
Mas que dor é essa? É a dor na alma. É algo forte e desesperador, e sei diferenciar muito bem a dor da alma da dor física – já senti as duas. O luto pode ser o catalisador em nossas vidas. Em 27 de abril de 1964, meu pai se hospeda no Grande Hotel do Recife e se mata. Só irão descobrir o corpo dele dois dias depois. Em 29 de abril de 1964, é feita a minha primeira foto na porta da maternidade. Ainda não sabia que era órfão, mas no rosto de minha mãe, toda a dor, medo e abandono ali registrados.




 
Os filhos de suicidas têm mais chances de cometer suicídio. Meu pai se matou aos 52 anos. Quando eu fui chegando nessa idade, tive de desconstruir a ideia de reprodução familiar. Sim, eu já tentei me matar. O gatilho para pensar, planejar e tentar foi o desemprego. Eu havia perdido a condição de provedor e protetor da minha família. Naquele momento, eu era um estorvo. Racionalizei que todos ficariam melhores se eu morresse.
 
Planejei, testei, deixei tudo pronto, parti para a ação, mas falhei, pois o “equipamento” que iria usar para morrer quebrou. Diante do ridículo da situação, comecei a gargalhar e chorar ao mesmo tempo; 36 horas depois, recebi uma proposta de trabalho que me colocou de volta ao jogo.
 
Entendeu a importância de ganhar tempo? Mesmo quando tudo parece perdido, precisamos ganhar mais uma hora, o dia seguinte, alcançar uma mão amiga ou tentar o próprio resgate. O resgate começa pelo perdão. Perdoe, principalmente, a si mesmo!
 
Qual a razão para eu contar tudo isso? É para falar sobre o Setembro Amarelo que salva vidas. Eu, sobrevivente, reconheço e respeito. Chame seu amigo que está passando por pensamentos suicidas para caminhar, sem pressa, tenha uma conversa franca, livre, terapêutica, deixe que a dor dele encontre a melhor forma de sair.