Virgilio Viana
Engenheiro florestal pela Esalq, Ph.D. pela Universidade de Harvard, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do estado do Amazonas e superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável
O Norte de Minas Gerais vive, hoje, um momento crítico na sua história. Está em curso um processo de aumento de aridez que se agrava rapidamente, criando uma nova realidade tanto para as populações urbanas quanto rurais. Cidades grandes, como Montes Claros, estão próximas do colapso do abastecimento de água. O mesmo cenário afeta cidades pequenas, muitas com seus reservatórios quase totalmente vazios. No mundo rural, córregos e rios que antes nunca secavam agora secam todos os anos.
O mais preocupante é que esse cenário foi previsto pela ciência e os estudos apontam para uma tendência de agravamento acentuado da aridez. Quais as causas desse aumento de aridez? O que fazer diante desse cenário? Este artigo tem o objetivo de explorar essas perguntas, combinando fontes científicas com observações de campo.
Inicio com dois relatos. Primeiro, o do sr. Faustino, da região de Itacambira, que relata o histórico de aridez da sua roça. "Antigamente, o córrego não secava e a nascente era tão alta que permitia ter um rego d'agua que abastecia a casa e o quintal. Há alguns anos, a água diminuiu e tivemos que usar uma mangueira para trazer a água. Nos últimos dois anos, o córrego secou totalmente. O rio São João, que nunca tinha secado, agora corre água apenas no período da chuva. O único jeito que encontramos foi fazer um poço dentro do rio para abastecer a casa e as criações."
O segundo relato é do prefeito Mário Osvaldo Casasanta, de Francisco Sá, que informa a grave crise de abastecimento de água no município e seus impactos para a economia local: "Antigamente, Francisco Sá era um polo de produção agrícola e pecuária. O rebanho bovino chegou a ter 157.900 cabeças e, hoje, tem menos de 74.540. Havia uma grande produção de alho, uma das maiores do Brasil, hoje reduzida praticamente a zero. O abastecimento de água para a sede do município e dos principais distritos está seriamente ameaçado, com os reservatórios com menos de 5% de água no auge da estação chuvosa".
O aumento da aridez está relacionado a três fatores principais. Primeiro, o Norte de Minas, assim como grande parte do Nordeste do Brasil, sofre as consequências das mudanças climáticas globais. Estudos desenvolvidos pelo Inpe e Cemaden mostram que a região está diante de um cenário de aridez marcado pela redução das chuvas e aumento da temperatura. O mais preocupante é que a trajetória é de agravamento da aridez para os próximos anos e décadas. Os modelos científicos para as mudanças climáticas globais do IPCCC apontam, igualmente, para forte agravamento da aridez no Norte de Minas.
O segundo fator é o mau uso do solo. Estradas mal planejadas e malconservadas são fontes de processos de erosão do solo, que frequentemente criam enormes voçorocas – grandes crateras abertas nas encostas. Na pecuária, o manejo ruim das pastagens, com rebanhos acima da capacidade de suporte, aumenta a erosão. Na agricultura, o mau manejo do solo agrava os processos erosivos. Tudo isso leva ao assoreamento dos córregos e rios, que se transformam em leitos de areia seca, enterrando os poços e acabando com os peixes e toda a fauna aquática.
O terceiro fator é a formação de monoculturas de eucalipto, alguns na forma de grandes maciços florestais. O eucalipto é uma espécie de rápido crescimento, que utiliza muita água. Quando plantado em áreas de recarga de aquíferos, o eucalipto pode ter um impacto na vazão de córregos e rios. É claro que isso varia muito em função da espécie, características do solo, topografia etc.
O que fazer diante desse cenário? Primeiro, com relação às mudanças climáticas, é necessário um urgente programa de adaptação. Tanto a po- pulação urbana quanto produtores rurais devem ser informados sobre a gravidade do cenário. Go- vernos (especialmente prefeituras) e lideranças da sociedade civil, assim como técnicos e pesqui- sadores, devem ser chamados para a busca de alternativas. Essas alternativas devem ser transformadas em projetos e submetidas ao governo fe- deral e fontes internacionais de financiamento, como o Fundo Verde do Clima.
Segundo, com relação ao mau uso do solo, é necessário um amplo programa de educação ambiental e extensão rural voltado para a adoção de boas práticas na abertura e manutenção de estradas e conservação dos solos na agricultura e pecuária. Esse programa deveria ser financiado pelos governos estaduais, governo federal e fontes internacionais de financiamento, como o Banco Mundial ou BID.
Terceiro, com relação às monoculturas de eucalipto, deveria ser definido um zoneamento ecológico e econômico, que incluiria limites percentuais para microbacias hidrográficas, assim como mecanismos de compensação por serviços ambientais para produtores que conservam áreas de cerrado nativo.
Por fim, vale registrar a urgência de enfrentar o cenário de aumento da aridez no Norte de Minas Gerais. Trata-se de um tema extremamente sério, com gravíssimas implicações sociais, econômicas e ambientais para o futuro da região. Não se trata de buscar vilões, mas sim encontrar caminhos viáveis com base na ciência e no diálogo bem-informado. É possível encontrar soluções com base em processos participativos de planejamento e gestão. É possível transformar essas soluções em programas e projetos de grande escala, visto que os desafios são enormes. A boa notícia é que existem fontes de financiamento nacional e internacional para isso. Entretanto, o sucesso dessas soluções requer uma mobilização rápida das lideranças da região. O tempo urge.