Fernando Valente Pimentel
Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)
As exigências inerentes aos princípios de ASG (ambiental, social e governança) vêm ganhando peso até mesmo como fator de decisão para investimentos. Globalmente, segundo dados da XP, mais de US$ 30 trilhões em ativos sob gestão são gerenciados por fundos que definiram estratégias sustentáveis. Somente na Europa, são US$ 14,1 trilhões, equivalentes a mais de 50% do total do continente. Nos Estados Unidos, 25%.
Tal movimento, que tem crescido de maneira mais consistente nesta pandemia da COVID-19, vem sendo, paulatinamente, observado há pelo menos quatro décadas. Um dos marcos dessa pauta foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro há quase 30 anos. Seguiram-se as periódicas conferências do clima, o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
No entanto, por numerosas razões, como divergências quanto ao comprometimento e investimentos de cada país, a civilização ainda não conseguiu conter as mudanças climáticas, a emissão de carbono e de gases de efeito estufa, devastação de biomas e ecossistemas e as desigualdades socioeconômicas. Entretanto, o novo coronavírus catalisou as atenções sobre o tema e as reflexões de que esteja se esgotando o modelo de consumo e de exploração dos recursos naturais em bases não sustentáveis.
Portanto, os avanços precisam ser mais rápidos e substantivos. O Brasil, por sua biodiversidade, reservas vegetais e hídricas, população, dimensões territoriais, capacidade de produzir alimentos e combustíveis de fontes limpas e renováveis, tem potencial para ser uma das potências bioeconômicas, tornando-se referência planetária quanto à sustentabilidade e economia circular. Temos um arcabouço legal e estrutura fiscalizatória raramente encontrados em outras nações. Além disso, estamos entre os países que mais ratificaram as convenções da Organização Mundial do Trabalho (OIT).
A agenda ASG é inadiável e não está atrelada apenas à execução de corretas políticas públicas, mas também à responsabilidade dos setores produtivos e da sociedade. A médio e a longo prazos, quem não estiver inserido nessas tendências ficará fora do mercado. É importante que todos adotem boas práticas e as disseminem. Deve-se comunicar com transparência à sociedade a qualidade dos produtos, origem das matérias-primas e correção das relações trabalhistas, para que as pessoas tenham consciência das transformações. Os próprios cidadãos, principalmente nas faixas etárias mais jovens, têm exigido isso. A última pesquisa do Instituto de Estudos de Marketing Industrial (Iemi) mostra a mudança de comportamento do consumidor e a valorização das mercadorias, bens e serviços resultantes de boas práticas.
A cadeia produtiva da moda, parte relevante da indústria têxtil e de confecção, está empenhada em solucionar problemas ainda existentes no Brasil e no mundo e engajada no movimento em prol da preservação ambiental, ética, compliance e trabalho digno. Nesse sentido, acaba de ser lançado o Núcleo de Sustentabilidade e Economia Circular (Nusec), iniciativa da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e do Senai Cetiqt. O novo organismo trabalhará de modo intenso e sistêmico no âmbito dos princípios ASG.
A indústria têxtil e de confecção tem muitos elementos positivos, gera cerca de 100 milhões de empregos diretos em todo o mundo e movimenta mais de US$ 2 trilhões de dólares por ano. O Brasil é protagonista no setor, sendo o quinto maior produtor do planeta e detentor da maior cadeia integrada do Ocidente, da produção de fibras naturais e sintéticas, passando por tecelagens, fiações, insumos e design até a fabricação de roupas e itens de cama, mesa e banho, geotêxteis, têxteis técnicos, produtos de saúde e proteção. Além disso, dispõe de robusta rede de ensino e qualificação.
É preciso comunicar os avanços e continuar no caminho da solução de problemas, que não são monopólio do setor. A cadeia produtiva da moda, como ocorre na maioria das áreas de atividade, vem caminhando nessa direção há tempos quanto aos seus valores, à origem de seus produtos e reparo das distorções às vezes presentes em vários países, inclusive o Brasil. Deve-se avançar de maneira consistente nessa agenda. Ao mesmo tempo, é importante que a sociedade perceba esse movimento dos setores produtivos, o valorize, cobre e seja também agente de transformações positivas. É um significativo processo de aculturação coletiva e exercício da transparência, fator hoje crucial no universo dos negócios, nas relações sociais e na interação entre consumidores e empresas.
Temos de caminhar, em todos os ramos, para uma civilização cada vez mais verdadeira, com princípios e valores que levem a uma sociedade melhor. O fato de ainda termos um Brasil com muitas desigualdades não pode nos impedir de avançar nesses compromissos. Ao contrário, devemos buscar cumpri-los simultaneamente aos objetivos de promover crescimento econômico inclusivo e melhor distribuição de renda. Afinal, não pode haver dissintonia entre desenvolvimento e sustentabilidade, que se tornam interdependentes.
A pauta ASG é agora tão decisiva quanto as reformas administrativa e tributária e o equilíbrio fiscal, que tanto demandamos e propomos. Trata-se de um compromisso do Estado e da sociedade, preponderante numa democracia como a brasileira. Esses valores convergem para a transparência, práticas sustentáveis e compliance. É fundamental que todos atendam a esse chamamento da civilização em favor de um mundo melhor!