Carmela Zigoni
Doutora em antropologia social e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
s candidaturas às Eleições 2020 revelam o esforço de diversos grupos sociais historicamente discriminados por ocupar espaços institucionais da política. Ainda que lentamente, pessoas negras e indígenas vão aumentando sua presença nas telas das urnas. A proporção de candidaturas de mulheres, por exemplo, cresceu de 31,9% para 33,2% em relação ao pleito de 2016, e de 14,7% para 16,1% no caso de mulheres negras (pretas + pardas). As candidaturas indígenas, embora ainda bastante minoritárias, aumentaram de 0,35% em 2016 (1.712) para 0,39% (2.172) em 2020, em todas as regiões do Brasil.
Pessoas transexuais também estão no páreo. Apesar do nome social ter sido aceito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apenas em 2018, nessas eleições já são 162 candidaturas registradas com o nome social (pessoas trans que já fizeram a mudança no registro de nascimento não aparecem neste dado, o que sinaliza para um número ainda maior).
Além disso, as candidaturas coletivas, que expressam o desejo de desnaturalizar a concentração de poder e a centralidade no indivíduo, aparecem com força nestas eleições: são pelo menos 328 candidaturas coletivas em todo o Brasil, tanto nas capitais quanto nas cidades do interior, distribuídas por pelo menos 23 partidos políticos (de diferentes espectros ideológicos) e para todos os cargos, embora se concentrem, sobretudo, nos cargos de verador(a).
De forma geral e sem distinção de cargo, porém, os candidatos são majoritariamente negros (49,93% do total de registros), do sexo masculino (66,76% do total de registros), com idade entre 36 e 45 anos (30,58% do total de registros). Eles são em sua maioria agricultores (6,82% do total de registros), servidores públicos municipais (6,3%) e comerciantes (5,2%), e com valor do patrimônio declarado entre R$ 100 mil e 500 mil reais (21,58% do total de registros).
As mulheres, por sua vez, representam 33,2% dos 550.340 pedidos de registro de candidaturas apresentados ao TSE, para todos os cargos. Contudo, esse percentual deve expressar as cotas partidárias, e não um verdadeiro engajamento de mulheres na vida política. E mais: as candidaturas femininas ainda seguem concentradas nos cargos de menor prestígio e poder de decisão: elas representam apenas 13,1% das candidaturas para prefeituras, 21% para vice-prefeituras e 34,4% para vereança.
Entre todos os partidos políticos, somente o PCO não cumpriu a cota mínima de 30% de candidaturas do sexo feminino, tendo solicitado o registro de apenas 21 mulheres, o que representa 21,9% dos pedidos de registro do partido; o Unidade Popular (UP), contrariamente, é o partido com maior proporção de registros de mulheres, 43,6%, seguido do PSTU com 39,7% e do PSOL com 36,2%. Os demais partidos ficaram na média de 33%.
As mulheres negras estão mais presentes nos partidos UP (30,1%), PC do B (21,7%) e PSOL (21,4%), sendo que o partido que mais apresentou candidaturas de mulheres negras à prefeitura foi o PSTU, com 22,5% de candidatas a prefeita. Por outro lado, o partido com a menor proporção de mulheres negras concorrendo às eleições de 2020 são o PCO (4,2%) e o Novo (4,8%).
A proporção de homens e mulheres concorrendo (33,2% mulheres e 66,8% homens) pode ser um efeito da EC 97/2017, que exigiu que cada partido indicasse, individualmente, o mínimo de 30% de mulheres filiadas. Como apresentado acima, poucos partidos registraram mais do que o mínimo exigido por lei de candidaturas de mulheres.
Na análise de gênero e raça/cor, observamos o equilíbrio entre candidaturas de mulheres brancas (49,4%) e de mulheres negras (48,4%), mas considerando todas as categorias raciais, as mulheres brancas são maioria em todos os cargos, e para as prefeituras chegam a ser quase o dobro de mulheres negras: 1.600 candidatas brancas, 726 candidatas pardas e 130 candidatas pretas. As mulheres indígenas somam 706 candidaturas.
Sobre o perfil das mulheres candidatas, as ocupações mais frequentes entre as mulheres são dona de casa (11,7%), servidora pública municipal (7,1%), agricultora (5,1%) e professora da rede pública municipal (4,3%); e entre as mulheres negras, ser dona de casa é 13,4% mais frequente do que entre as mulheres brancas.
As jovens negras candidatas representam 22.193 candidaturas a vereadora, 94 a prefeita e 266 a vice-prefeita (18 a 35 anos).
As candidaturas de pessoas negras representam 49,9% contra 47,9% de pessoas brancas, sendo que, em números absolutos, as candidaturas negras estão mais concentradas no Nordeste (103.150 candidaturas) e no Sudeste (87.204), e são proporcionalmente maiores para o cargo de vereador. Para os cargos de prefeito e vice-prefeito, os candidatos brancos seguem sendo maioria (63,4% e 59,2% respectivamente).
Quando desagregados os valores de candidaturas negras em pretas e pardas, vemos que predominam as candidaturas de pardos e que há maior proximidade proporcional de pessoas pretas entre os gêneros masculino e feminino do que na categoria de pessoas pardas. Quarenta e oito vírgula quatro por cento das mulheres se identificam como negras. Dessas, 37,7% são pardas e 10,7% pretas. Cinquenta vírgula sete por cento dos homens se identificam como negros. Desses, 40,3% são pardos e 10,4% são pretos.
Os partidos que mais apresentaram pedidos de registro de candidaturas de pessoas negras foram UP (69,9%), PCdoB (66,2%) e PSOL (60,2%), e os que mais apresentaram candidaturas indígenas foram PSTU (3,4%), REDE (1,63%) e PCO (1%). Já os partidos com menos negros são o PCO (16,76%) e o NOVO (18,6%) e com menos indígenas são o PCB, que não apresentou nenhuma candidatura indígena, e o PMB (0,07%).
Há diferenças no perfil das candidaturas a depender do cargo: dentre as candidaturas à prefeitura, predominam os homens brancos, de 46 a 55 anos, com ensino superior completo (totalizando 1.659 registros); já entre vereadores predominam homens pardos, com idade entre 36 e 45 anos e ensino médio completo (19.533 registros).
Ainda que com desigualdades profundas, as Eleições 2020 contarão com 88.555 mulheres negras disputando diferentes cargos. Dessas, apenas 2,7% disputarão prefeituras. Adicionalmente, serão 706 mulheres indígenas, sendo que 111 disputarão os cargos de prefeita e vice-prefeita. Em um cenário de destruição do meio ambiente, avanço de ideias fundamentalistas e racistas, é fundamental reafirmar a necessidade de superar a sub-representação de grupos historicamente discriminados. Agora, cabe aos eleitores compreender a importância da diversidade no poder.