Alexandre Espírito Santo
Economista-chefe da Órama Investimentos
e professor do Ibmec-RJ
ano de 2020 entra para a história de um modo quase ficcional. Foram longos meses de agonia, incertezas, notícias tristes, vidas perdidas, distanciamento dos amigos e da família, economia fragilizada e tantos outros fatos que nos pareciam surreais. É hora, no entanto, de renovar as esperanças e acreditar que 2021 será mais leve. Nós, brasileiros, somos resilientes e sabemos que será preciso – mais do que nunca – arregaçar as mangas. O que nos espera na economia?
Traçar cenários é sempre uma tarefa dificílima, ainda mais em um ambiente como o atual, de indefinições em relação à COVID-19. Os modelos econométricos, que normalmente são usados pelos economistas, perdem confiança em função de tantos “ses”. O principal, por óbvio, é a vacina. Ou melhor, as vacinas.
Com a possibilidade (alta) de um retorno à normalidade com a vacinação em massa, acredito que o PIB global pode se recuperar mais fortemente, num formato em “V” (entre 5% e 5,5% no ano) ou, na pior das hipóteses, em “Nike shape”, que é uma recuperação mais lenta, porém consistente (entre 4% e 4,5% no ano).
Uma pré-condição para esse quadro mais otimista será a ajuda do governo de Joe Biden à economia americana. Assim, um pacote em torno de US$ 2 trilhões deverá ser autorizado pelo Congresso americano, o que estimulará a demanda e o emprego. Apesar dos benefícios saudáveis, não podemos descartar um possível aumento de juros mais longos, por causa do enorme aumento de déficit, que emergirá via colocação de títulos do Tesouro americano para financiamento do pacote.
Nesse ponto, é preciso verificar se as propostas democratas, de elevação de impostos, prosperarão mais adiante, ou se haverá resistência republicana no Congresso. Certamente, farão diferença sobre as perspectivas de valorização (maior ou menor) nas bolsas americanas, que, em 2020, bateram recordes de alta, pelas políticas ultraexpansionistas do Fed, pós-pandemia.
De toda sorte, o governo Biden promete ser mais progressista, comparativamente à doutrina Trump dos últimos anos, com uma agenda mais voltada ao comércio internacional, ao meio ambiente e ao multilateralismo, em uma espécie de resgate da PAX americana.
Com esse pano de fundo global, os países emergentes tendem a se favorecer, recebendo investimentos estrangeiros em maior quantidade, como ocorreu, inclusive, a partir de novembro. Sendo assim, admitindo que consigamos retornar à agenda reformista interrompida pela pandemia, os ativos brasileiros podem se beneficiar da valorização dos preços das commodities, a depender do quão eficaz seremos em fazer o nosso dever de casa fiscal, com respeito ao “teto dos gastos” e retorno às privatizações e redução da máquina pública.
Com o ajuste fiscal progredindo de forma mais expressiva, minha projeção é que Ibovespa fique entre 120 mil e 125 mil pontos até o fim de 2021. Porém, temos uma grande “pedra no sapato”, que é a questão fiscal. Assim, é imperativo que retomemos a agenda reformista a partir de 2021, para que possamos voltar ao ajuste fiscal iniciado com a reforma da Previdência.
Com a pandemia, a relação dívida/PIB está batendo na porta dos 100%, percentual inconsistente com países de renda média-baixa. Para se ter uma referência, países de rating igual ao nosso possuem relação média de 72%.
O fato é que por mais que o Brasil já tenha um nível de rating no qual as desconfianças políticas e fiscais estejam, de certa forma, precificadas, é importante o investidor ficar atento ao que essas agências de rating estão considerando como fatores de risco para cortes eventuais nas notas soberanas. A dificuldade na articulação política entre o Congresso e o Executivo é justamente um desses pontos que os analistas apontam como um desafio para a consolidação de um regime fiscal e uma deterioração ainda maior das contas públicas, o que pode levar a um rebaixamento de nota.
Importante destacar que o rating desempenha papel relevante na alocação de capital global. A entrada do investidor estrangeiro na bolsa brasileira, no fim do ano de 2020, ocorreu muito em virtude de uma diminuição da percepção de risco dos mercados com as notícias de vacina e da continuidade de uma política mais estimulativa por parte de Joe Biden. Ou seja, o investidor estrangeiro não entrou no Brasil porque a situação interna melhorou. Na mesma velocidade, pode também sair. Se o questionamento fiscal se materializar em uma ruptura do “teto dos gastos”, ou em um rebaixamento de rating, o movimento de fuga desse capital pode prejudicar ainda mais a nossa recuperação, com impactos tanto nos índices de bolsa quanto na desvalorização do real, com sequelas sobre a inflação e, consequentemente, na taxa de juro. Sobre ela, projetamos que a Selic suba para 3% a.a. ou pouco mais no ano que vem.
Resumindo, é absolutamente fundamental um esforço fiscal significativo. Sem ele o país se encontrará em uma situação muito complicada, num momento em que a recuperação será essencial para suplantar a adversidade acarretada, não somente pelo coronavírus, mas também por anos de irresponsabilidade com o dinheiro público.
Que neste novo ano, o bom senso e a cautela continuem a nos guiar: sem medos paralisantes, sem euforia. O mundo e o Brasil têm sérios desafios pela frente, mas iremos superá-los. Seja bem-vindo, 2021!