Rodrigo Augusto Prando
Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em ciências sociais, mestre e doutor em sociologia pela Unesp de Araraquara
O presidente Jair Bolsonaro, após eleito, decidiu continuar com uma retórica e ações de ataques aos seus inimigos, reais ou imaginários, internos ou externos, próximos ou distantes. Cunhou-se o termo “velha política” para separar os bolsonaristas (a nova política) de todos os demais políticos, esses, quase sempre, fisiológicos, ligados ao toma lá dá cá e, no limite, corruptos.
A política, então, deixou de ser espaço de diálogo, de construção de consensos, de projetos e ideias para se tornar o espaço do presidencialismo de confrontação. Quiseram enterrar o “presidencialismo de coalizão” e o “presidencialismo de cooptação” e colocar no lugar a confrontação, a beligerância, o ataque às instituições e, não raro, até mesmo aos valores democráticos. Houve, por parte de Bolsonaro e dos bolsonaristas, um cálculo e uma estratégia: agindo dessa forma, sempre no ataque, manteriam a base bolsonarista coesa e resiliente, sempre ao lado do presidente e de seus mais fiéis ministros de Estado. Essa escolha deliberada pelo confronto é boa para o período eleitoral e para inflamar, nas redes e nas ruas, a militância já convertida, aqueles que, para falar com Weber, agem a partir da “ética da convicção”, ou seja, estão, sempre, certos de suas escolhas e nunca recuam, já que seus valores devem prevalecer a qualquer custo e se, por acaso, o resultado for péssimo, o problema é de todos, menos deles, que são puros e não se vergam ao sistema, ao establishment, às elites globalistas, enfim. Contudo, se o confronto é bom, para a retórica política é insuficiente e, pior, traz incontáveis prejuízos à gestão, à administração racional do Estado e à construção de governabilidade.
Assim, ao optar pelo confronto ao invés de governar, de dirigir e liderar, Bolsonaro passou o primeiro ano de governo sem construir uma imagem, uma marca para chamar de sua. E, no segundo ano, veio a pandemia e, por isso, uma oportunidade de mudar o rumo e, rememorando sua formação militar, de transformar, aí sim, o vírus em inimigo a ser combatido. Mas o bolsonarismo dobrou a aposta e, no bojo da crise pandêmica, assumiu-se negacionista e menosprezou a gravidade da situação, conjugando à crise sanitária uma crise política de ausência de uma liderança capaz de nortear as ações e de apresentar o mínimo de esperança aos brasileiros, numa impressionante escalada de contaminação e mortes.
Pelo conjunto da obra, pela opção do confronto, o bolsonarismo tornou um governo reativo e nunca proativo. O presidente e seus ministros sempre estão a reagir em relação às ações e decisões do Supremo Tribunal Federal, dos governadores, dos prefeitos, das várias manifestações da sociedade civil ou do mercado. João Doria, governador de São Paulo, por exemplo, tem pautado inúmeras reações do governo Bolsonaro, especialmente, no que tange à vacina, sua produção e aplicação.
Em 29/3/21, segunda-feira, o clima no Planalto foi de incerteza, iniciado com a já esperada saída do chanceler Ernesto Araújo e, para surpresa, ocorreu a demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, além de trocas em outras pastas. O que levou a tudo isso? Bolsonaro fará, doravante, um esforço para governar assentado na racionalidade? Ou seguirá reagindo às circunstâncias? Há um conjunto de fatores políticos que podem explicar as mudanças em voga: o efeito Lula, que fez Bolsonaro usar máscara e colocar um globo terrestre em sua live; a pressão do Centrão, que entrega apoio e cobra com voracidade; a carta de banqueiros e economistas; uma pandemia que ceifou mais de 300 mil vidas; as ações do governo de São Paulo junto ao Instituto Butantan produzindo a CoronaVac e, em breve, uma vacina com insumos nacionais.
Em síntese, até aqui, o fulcro da questão é que Bolsonaro optou pela confrontação e deixou de lado a racionalidade administrativa e a formação de governabilidade. E, dentro deste modelo de presidencialismo de confrontação, o governo não tem sido proativo, e sim reativo, mas tem reagido tarde e, na maioria das vezes, com resultados negativos. Podem – Bolsonaro e seu governo – mudar de perspectiva? Sim, podem; mas, para isso, devem ocorrer claras e simbólicas sinalizações e ações concretas, em primeiro lugar, e, também, no equacionamento da crise pandêmica objetivando a vacinação em massa da população brasileira.