Marco Melo
Especialista em reprodução assistida e diretor da Clínica Vilara
Em outubro do ano passado, a revista científica The Lancet publicou o primeiro estudo indicando que o aparelho reprodutor masculino pode sofrer impactos negativos pelo vírus Sars-CoV-2. A publicação informou que os agentes patogênicos responsáveis pela COVID-19 afetam a espermatogênese, processo de produção dos espermatozoides. Os pesquisadores observaram também edemas e exsudação de hemácias, assim como o afinamento das camadas celulares que recobrem testículos e epidídimos (local de armazenamento dos espermatozoides).
A revista Reproduction também publicou, em janeiro deste ano, uma pesquisa que corrobora o artigo da The Lancet. O estudo apontou “evidência direta até o momento de que a infecção por COVID-19 prejudica a qualidade do sêmen e o potencial reprodutivo masculino”. Entretanto, é preciso cuidado ao fazer tal afirmação, pois o novo coronavírus ainda não é totalmente conhecido e muitas questões devem ser analisadas sobre a veracidade dos impactos causados.
A comunidade médica já reconhece que a infecção por qualquer vírus afeta, temporariamente, a produção de gametas masculinos, principalmente, pelas implicações da caxumba e do zika vírus na saúde reprodutiva do homem. Em alguns casos, a contagem de esperma das pessoas infectadas por algum patógeno chega a zero e tende a ficar assim por algumas semanas ou meses.
Contudo, o artigo da Reproduction não informa se os voluntários participantes da pesquisa haviam sido infectados por algum outro vírus nos últimos meses, o que deixa dúvida a respeito da “evidência” apresentada pelo estudo. A publicação revela que comparou 105 homens férteis sem COVID-19 com 84 homens férteis que testaram positivo para o novo coronavírus, analisando o sêmen dos participantes em intervalos de 10 dias por 60 dias. Por conseguinte, concluíram que houve aumento significativo na inflamação e estresse oxidativo em células de esperma pertencentes a homens infectados pelo Sars-CoV-2, constatando ainda que a concentração, mobilidade e forma dos espermatozoides desses homens foram modificadas.
A notícia desses dois estudos se espalhou pelo mundo por meio dos principais veículos de informação, mas vale ressaltar a importância da cautela em momentos como esse.
Ao todo, foi realizado um número restrito de pesquisas sobre a relação entre o novo coronavírus e a saúde reprodutiva masculina. Para se chegar a um resultado preciso, a ciência requer uma quantidade maior de estudos, amostragens, averiguações, ensaios, análises e, principalmente, provocações que estimulem os pesquisadores a apresentar argumentações coesas e bem fundamentadas.
Portanto, é crucial que o poder público resguarde a ciência, através de investimentos financeiros para o setor, ou mesmo por meio de estímulos e reconhecimentos de profissionais, que tanto se dedicam em benefício de um futuro melhor. E, em caso de dúvidas em relação à fertilidade, consulte um especialista para esclarecimentos e realização dos exames necessários.