Jana Rabelo
Professora, mestre em estudos linguísticos. Mantém um curso de redação on-line com alunos de todo o Brasil e é professora de redação no pré-vestibular do Colégio Bernoulli
O homeschooling, um projeto que circula no Brasil há alguns anos, me parece mera cópia do modelo norte-americano. Porém, no contexto brasileiro, especificamente, há diversos fatores que o tornam inadequado. Para começar, uma crítica geral, que se aplica inclusive à realidade norte-americana, é que a escola não é um espaço apenas de ensino e aprendizagem no sentido técnico, conteudista. Trata-se de um espaço de socialização, de convivência com a diversidade, desenvolvimento de uma série de habilidades sociointeracionais. Dessa maneira, eu acredito que as crianças e os adolescentes que frequentarem apenas as aulas dadas em casa, por seus tutores, serão expostos a uma realidade aumentada, a partir um recorte específico da classe econômica, das escolhas ideológicas, éticas e religiosas dos seus pais.
Recentemente, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que isso não seria um problema, pois essa socialização seria feita pelos pais e pela comunidade religiosa frequentada por eles. Isso, para mim, é uma visão muito limitada do contato social. É necessário para a nossa formação cidadã que todos tenhamos acesso às diversas manifestações de estilo de vida, religião - ou falta dela, escolhas políticas e ideológicas, classes sociais, entre outros fatores. Principalmente na infância, em que são desenvolvidas habilidades básicas como o senso de tolerância, o desenvolvimento da capacidade de trabalho em equipe e, até mesmo, empatia e alteridade.
Além disso, no contexto nacional, temos que considerar que uma parte representativa dos brasileiros tem o nível de escolarização e índices de domínio das linguagens ainda muito baixos. Um terço dos brasileiros é considerado analfabeto funcional. Portanto, a oferta do homeschooling é deficitária, tanto em termos técnicos, quanto sociointeracionais. E, aos que defendem que seria feito por meio de tutores, é uma resposta classista, haja vista que as classes médias e baixas não têm condições socioeconômicas de oferecer esse ensino personalizado.
Já o ensino a distância é outra modalidade. A educação a distância é uma tendência inovadora permeada por estudos profundos, que oferecem não apenas uma mudança das plataformas, saindo do mundo real para o mundo virtual, mas também das metodologias, dos referenciais teóricos. A educação a distância é um ramo de estudo da pedagogia e da psicologia, além das áreas ligadas à tecnologia da informação, que tem aproximadamente 25 a 30 anos e uma bibliografia bastante extensa.
Isso é muito diferente, também, do ensino remoto que está sendo oferecido pelas escolas brasileiras, no contexto da pandemia. Esse é um modelo improvisado, as aulas são as mesmas, majoritariamente expositivas, muito pouco interativas, oferecidas apenas em novas plataformas digitais. O que observo é um grande improviso e isso não é culpa dos professores, pois eles não foram capacitados para mudarem seu formato de aula, para usarem uma nova metodologia, uma nova linguagem. Os professores e os alunos, infelizmente, foram jogados nesse sistema porque não havia alternativa. De fato, era necessário que se suspendessem as aulas presenciais considerando o contexto de caos sanitário e hospitalar que o Brasil vive.
Temos ainda uma questão do privilégio: os professores pertencentes às classes mais baixas não conseguem fazer essas adaptações. Essas são as classes mais atingidas pela suspensão das aulas presenciais. Os alunos de escola pública foram prejudicados porque eles não têm, muitas vezes, a estrutura necessária para acompanhar essas aulas, seja porque seus pais não conseguem dar a tutoria necessária neste momento, ou porque os seus professores não têm acesso aos recursos. Portanto, o ensino remoto, como está sendo oferecido no Brasil hoje, apenas reflete e aprofunda as desigualdades que nos marcam há tantos anos e se manifestam, entre outras áreas, na educação.