Coronel PM Ailton Cirilo
Presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (AOPMBM) e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública OAB/MG
Não se pode analisar a operação no Jacarezi- nho, no início de maio, de forma reducionista apenas como “certo” ou “errado”. Cada órgão estatal tem o dever de zelar pelo bem-estar da população, resguardadas as devidas atribuições.
Geralmente, assistimos às polícias militares e civis respondendo ao apelo da comunidade como agências exclusivas na prestação de contas da segurança pública. São atores que estão no front de uma guerra urbana (combate à criminalidade e violência), arriscando sua vida em prol da coletividade e, muitas vezes, são depreciados em razão da atividade funcional.
Uma operação que resultou em 29 mortes na comunidade carioca não pode ser considerada um fato normal. Percebe-se que o poderio bélico utilizado por criminosos supera muitas vezes o da própria polícia, que nesse episódio, lamentavelmente, re- gistrou também a perda de um agente policial.
Escudado no evento epidemiológico do novo coronavírus, surgem oportunidades para outros poderes da República editarem regramentos com a finalidade de apequenar as polícias, no caso específico, a do estado do Rio de Janeiro. O ministro Fachin pede investigação do ocorrido; enquanto isso, a criminalidade se fortalece, se organiza e intimida toda a comunidade com o intento de perpetuar a ação criminosa e lucrativa.
Do ponto vista conjuntural, precisamos refletir que existem várias formas de analisar o episódio Jacarezinho, mas, certamente, não teremos todas as respostas. O problema é outro: a operação de- sencadeada naquele local é uma consequência, e não um problema em si. As práticas criminosas existentes no Jacarezinho também são consequências, e não o problema em si.
Por outo lado, “a insegurança pública” dita pela antropóloga Jaqueline Muniz, em entrevista à Rede Brasil Atual, revela-se como um projeto autoritário de poder. Isso é o que chamamos de economia política criminosa da proteção. Sai a segurança de sobrenome pública e fica a proteção que é particular, excludente e desigual. O cenário piora na ausência do poder público, instalando o poder do crime.
Não se pode negar que a cidade do Rio de Janeiro, que absorve em torno de 1.100 comunidades, tornou-se um ambiente com complexidades difíceis de serem ajustadas através da presença real do Estado, especialmente no fornecimento de necessidades primárias para os seus cidadãos, que, cada vez mais, são reféns de um ambiente hostil e perigoso.
Ao identificar, abordar e prender pessoas e apreender drogas, o resultado não altera a situação: o preso, dependendo de sua posição, conti- nua a comandar o tráfico de dentro da cadeia ou, então, outra pessoa assume o seu lugar. O local continua sendo utilizado pelo tráfico e a pessoa que compra continua adquirindo. Ou seja, não há efetividade neste tipo de ação. No caso em tela, apreensões de grande volume de fuzis, pistolas e submetralhadoras não representam nenhum prejuízo para o tráfico. É necessário que a política de combate ao tráfico de drogas mude, e mude completamente, senão ficaremos enxugando gelo.
Podemos inferir que a criação de uma agência de segurança pública, diferente da Polícia Federal, com forte investimento em tecnologia, inteligência, valorização e integração dos demais atores da segurança pública, certamente diminuiria as intervenções contundentes das polícias militares e civis que atuam nas suas atribuições constitucionais.
Atacando a questão-raiz de toda a mazela social, numa atuação macro, buscando no nascedouro os braços alongados do crime, poderemos sair da esfera das constantes indagações, falar menos de mortes, mais de segurança e, finalmente, encontrar a solução para o problema.