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Distopia educativa

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Aleluia Heringer
Doutora em educação e diretora do Colégio Santo Agostinho

Ne forma simplificada, distopia é uma representação de um futuro levado ao extremo. Os livros “Nós”, de Zamiátin, publicado em 1924, “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, publicado em 1941, ou “1984”, de George Orwell, publicado em 1949, são distópicos clássicos. As três histórias têm em comum a supressão, quase total, dos traços da humanidade. Quase, pois permanecem vestígios, sejam na memória, em objetos ou em alguns agrupamentos considerados “selvagens”. O que seria um mundo sem morte, dor, vínculos afetivos, emoções, angústia, liberdade, insegurança ou individualidade? Os três livros nos mostram que, por meio de técnicas e procedimentos, é possível “desumanizar o homem” e a vida continuar. Contudo, o que lemos é assustador e nos traz a definição exata da expressão distopia: lugar ruim.




 
Arrisco três elementos do presente para a composição do enredo de uma provável “distopia educativa”. O primeiro é o distanciamento da natureza. Segundo: a supressão do contato físico. Por último, em nome da proteção e do cuidado, por parte dos adultos, criarmos seres vulneráveis e fragilizados. 
 
Em contraposição, aposto no investimento em tempos de qualidade em contato com matas, riachos, terra, animais. Se não for possível na própria escola, que seja mediada por ela ou pelas famílias. Não se trata de arrolar dezenas de atividades a serem cumpridas, sofregamente, como que cumprindo tarefas. Basta estar na e com a natureza e, se possível, silenciar, desfrutando do festival de cores, sons, odores, formas e princípios gratuitamente disponíveis. Isso é tão poderoso que não é à toa que, em um trecho do livro “Admirável mundo novo”, o personagem chamado Diretor explica: “As flores do campo e as paisagens (...) têm um grave defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a atividade de nenhuma fábrica. Decidiu-se que era preciso aboli-lo” (p.43).
 
Podemos intuir o quanto nos falta de resistência ao utilitarismo e artificialidade em todas as esferas da vida. Por vezes, vemos as pessoas, projetos e instituições enebriados com o aço, vidro, cimento. O narrador da história em “Nós”, conhecido pelo número D- 503, diz: “Tudo novo é de aço: o sol de aço, as árvores de aço, as pessoas de aço” (p.75). Não podemos “esquecer que somos terra” e esse vínculo é vital para a nossa preservação, principalmente em tempos de emergência climática.




 
Aposto na capacidade de a criança e o jovem assumirem sua vida e desenvolver a autonomia quando enfrentam, sozinhos, desafios proporcionais à idade. Esse é o único meio de desenvolverem os instintos de autopreservação física, emocional e intelectual e de alcançar a maturidade psicológica.
 
Aposto no corpo que somos e temos e com o qual dialogamos com o mundo.  O que seria de uma formação humana sem as relações, vivência de práticas culturais, esportivas, artísticas, só possíveis, verdadeiramente, em coletividade? O mundo virtual está, sedutoramente, na vitrine com suas promessas de agilidade, economia e encurtamento de distâncias. Tudo verdade; contudo, quando se trata de educação básica, cabem atenção e resistência. Não troquemos nossa “primogenitura por um prato de lentilhas”, como fez Esaú com seu irmão Jacó.
 
Qual será a escolha dos pais e educadores? Muitas práticas e propostas estão sendo postas nas vitrines escolares com a promessa de felicidade e realizações completas. Se podemos aprender algo com aquilo que os autores distópicos nos trazem, é a aposta no humano (humus) como a nossa maior inovação. Com nossas escolhas, construímos distopias. Concluo com a fala do personagem Winston, do livro “1984”, para sua companheira Júlia: “Se você conseguir sentir que vale a pena continuar humano, mesmo que isso não tenha a menor utilidade, você os venceu” (p.199). Assim seja.




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