Josilmar Cordenonssi Cia
Graduado em economia, mestre e doutor em administração de
empresas. É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
A eleição de Bolsonaro avalizando as propostas liberalizantes de Paulo Guedes e de um Parlamento ideologicamente propenso a realizar reformas econômicas trouxe muita esperança de que o Brasil iria se desvencilhar das amarras que impediam um desenvolvimento econômico mais acelerado. Bem ou mal, 2019 não decepcionou, conseguimos aprovar uma reforma da Previdência melhor do que muitos especialistas esperavam. Entretanto, pela primeira vez, esse processo não teve uma liderança clara do Poder Executivo conduzindo as discussões, mas sim do Parlamento, especialmente a Câmara dos Deputados, por obra do então presidente Rodrigo Maia.
Depois da aprovação da reforma da Previdência, tanto a Câmara como o Senado tinham projetos de reforma tributária com discussões bastante avançadas. Esses projetos focavam na simplificação dos impostos indiretos nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. O fato de que cada ente da Federação pode legislar e cobrar diferentes alíquotas de impostos é o principal ponto negativo do nosso sistema tributário, pois torna o comércio interno muito complexo, com um custo de transação muito elevado. A ideia principal era a criação de um imposto de valor agregado que reunisse o ISS (Imposto Sobre Serviços, municipal), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, estadual), IPI (Imposto sobre Produtos Industriais, federal) e mais as contribuições federais PIS e Cofins.
Enquanto isso, do Ministério da Economia saíam algumas ideias estranhas, mal formuladas, como a (re)criação de uma nova CPMF (mais conhecida como Imposto do Cheque) para poder diminuir os encargos sobre a folha de pagamento. De tão impopular, foi abatida pelo próprio presidente Bolsonaro, provocando a demissão do seu mais aguerrido defensor, Prof. Marcos Cintra.
O Ministério da Economia também aventava a possibilidade da junção do PIS e Cofins apenas, focando somente nessas contribuições federais, o que era muito tímido em relação ao relatório final do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) entregue em 12 de maio de 2021 na Comissão Mista da Reforma Tributária, em que os projetos da Câmara e Senado foram consolidados em um só. Os novos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, não deram prosseguimento a esse relatório da comissão.
O Ministério da Economia, sem participar dos debates do Parlamento, lança uma proposta de reforma tributária “de segunda fase”, quando não se discutiu a primeira, em uma sexta-feira, 25 de junho, em que a CPI da COVID aumentou e muito o grau de desconforto do governo com o depoimento dos irmãos Miranda a respeito do contrato pra lá de esquisito da vacina indiana Covaxin.
Feito esse preâmbulo político, vamos ao conteúdo econômico da dita “reforma”, que não passa de um “puxadinho”, pois não diminui o número de impostos, só mexe com o Imposto de Renda para as pessoas físicas, jurídicas e de aplicação financeira, sem uma lógica clara. De qualquer forma terá impacto em nossa vida, portanto, é importante identificar os seus efeitos.
Na pessoa física, o projeto prevê a correção da tabela de isenção de IR. Hoje, a partir de uma renda bruta de R$ 1.903 mensais a pessoa começa a pagar IR; com o projeto, isso vai acontecer somente a partir de R$ 2.500. Com isso, as pessoas irão pagar menos imposto. Entretanto, a declaração simplificada, aquela em que há abatimento da renda de 20% sem comprovação de despesas, será uma opção somente de pessoas que tenham uma renda bruta anual de R$ 40.000, ou uma renda mensal média de apenas R$ 3.333. Assim, em geral, o imposto a ser pago vai diminuir, porém para quem ganha acima de R$ 40 mil e costuma fazer a declaração simplificada pode ter que pagar mais porque vai ser obrigado a fazer a declaração completa.
Com relação ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), prevê-se uma redução da alíquota de 15% para 12,5% em 2022 e de 10% de 2023 em diante. Mas continua com a mesma sistemática de acréscimos de 10% para lucros que excedam R$ 20 mil por mês. Não mexe com a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), continuando com a alíquota de 9% para a maioria das empresas. Acaba com a dedução de Juros sobre Capital Próprio (JCP), se igualando ao dividendo. Por outro lado, os rendimentos dos dividendos agora serão tributados em 20% na fonte. O Brasil era um dos poucos países que isentavam os dividendos; agora, falta retirar a anacrônica obrigatoriedade do pagamento de dividendos.
Nas aplicações financeiras, a principal mudança recai na renda fixa, onde se acaba com a tributação de acordo com o tempo de aplicação. Com isso, toda aplicação terá uma alíquota de 15%, quando hoje tem-se que esperar 2 anos para se chegar a esse patamar. Para os poupadores de longo prazo não muda, mas para quem faz aplicação em curto prazo (abaixo de 6 meses) a alíquota cai de 22,50% para 15%, o que é muito relevante. Os fundos imobiliários perdem a isenção de IR, mas outras aplicações, como CRI, CRA, LCI e LCA, continuam isentas... não me perguntem a lógica disso.
Para quem tinha esperança de que ao longo desse governo teríamos um avanço nas reformas econômicas, especialmente na tributária, a proposta do Ministério da Economia não passa de um “puxadinho”.