Wilson Campos
Advogado, presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG
Os dados oficiais do poder público somados aos cálculos de entidades sociais revelam um número cada vez maior da população em situação de rua na cidade de Belo Horizonte. Estima-se em torno de 9 mil pessoas vivendo ao relento e em condições sub-humanas na capital.
Longe de querer definir como se forma exatamente essa população em situação de rua, que é bastante heterogênea, o que se sabe é que se compõe de pessoas com diferentes personalidades e realidades, mas que carregam consigo a dura condição de sobreviver em pobreza absoluta, sem emprego, sem casa, sem vínculos familiares normais, sem dignidade e sem cidadania.
A pandemia contribuiu para a aceleração de casos que já vinham causando preocupação às autoridades e à sociedade, que sabem muito bem a dificuldade de solução adequada para a população em situação de rua, uma vez que nem todos aceitam serem alojados em bairros distantes do centro da cidade e preferem ficar nas ruas e avenidas mais frequentadas e movimentadas.
Entretanto, a prefeitura e seus respectivos órgãos sociais não podem aceitar a inteira vontade da população em situação de rua, principalmente quando a maioria dela se nega a sair das ruas do centro da cidade e ser encaminhada para alojamentos municipais, causando com isso um problema grave de convivência com comerciantes, lojistas, moradores, pedestres e motoristas, que constantemente reclamam do mau cheiro nas vias públicas e do comportamento agressivo de muitas dessas pessoas que ficam dia e noite ali, lá e acolá.
A situação só se agrava, com destaque para o fato de que a população em situação de rua utiliza o espaço público, as calçadas e as marquises para dormir em plena luz do dia, com sol quente, dificultando o direito de ir e vir de outras pessoas que transitam, trabalham ou moram na região. Além desses problemas, as reclamações são de que o local também é usado para cozinhar alimentos, com restos de comida atirados na rua e, pior, muitos usam o local como banheiro e fazem suas necessidades fisiológicas sem nenhum constrangimento nas portas de residências e estabelecimentos.
Entendo, particularmente, que uma solução humana, civilizada e digna deve ser buscada para a população em situação de rua, notadamente com a discussão da gravíssima condição atual, com números crescentes, de maneira que ações e medidas efetivas sejam debatidas e adotadas pela prefeitura, depois de reuniões urgentes com entidades sociais, igrejas, representantes de moradores e de comerciantes, e outros setores que se ofereçam para contribuir com ideias ou recursos para tamanha demanda social.
Também penso, e não apenas penso, pois, se convidado, posso atuar diretamente como colaborador na defesa da cidadania dessas pessoas em situação de rua, conciliando direitos e obrigações. Ora, várias cabeças pensantes em prol de uma causa justa são melhores do que apenas algumas sobrecarregadas com a mesma missão. Hoje mais que nunca, a generosidade e a solidariedade peculiares dos brasileiros são necessárias e indispensáveis.
A estratégia para a solução do grave problema precisa mudar o foco. Em vez de alojamentos temporários e com imposição de condições de diversos tipos, a municipalidade destinaria moradias permanentes, sem impor condições, em procedimento parecido ao assegurado pela Finlândia.
O país europeu saiu na frente no emprego de métodos diferenciados e o resultado foi positivo. As metas alcançadas foram as relativas à gradual normalidade da vida da população em situação de rua, lugar certo para morar, enfrentamento severo dos vícios em drogas e bebidas alcoólicas, capacitação para emprego fixo, acompanhamento médico e psicológico, e mediante trabalho intenso dos serviços de assistência social.
O desemprego é um quesito delicado no país e no mundo inteiro, haja vista a pandemia e suas implicações. Mas a população de rua merece ser considerada nesse contexto, e a inclusão social requer emprego para homens e mulheres desse grupo tão desvalido e alijado do processo natural produtivo. Ademais, o emprego fixo e a moradia permanente deverão ser, de fato, consequências do tratamento de saúde e da erradicação dos vícios.
De sorte que, nesse sentido, os vitais serviços organizados e prestados pelo município, incluindo a ampla assistência social e as condições de emprego e moradia, com certeza haverão de requerer contratos de direitos e deveres assumidos pelas partes, objetivamente voltados para a redução gradativa da vulnerabilidade da população em situação de rua e alinhados para a paz, a tranquilidade e a qualidade de vida dos moradores da cidade.
Portanto, não há que se deixar o grave problema para o ano que vem ou para o próximo prefeito ou governante, mesmo porque o caos está instalado, direitos e deveres precisam ser estabelecidos, e a sociedade está cobrando há muito algumas medidas eficazes, que se mostrem justas, humanas, dignas e cidadãs, mas ao mesmo tempo firmes, comprometidas e cumpridas por todos os envolvidos e interessados.
Em suma, vale repetir: as metas a serem alcançadas referem-se à gradual normalidade da vida da população em situação de rua, a um lugar certo e permanente para morar, ao enfrentamento severo dos vícios em drogas e bebidas alcoólicas, à capacitação para emprego fixo, e ao trabalho intenso dos serviços médicos, psicológicos e de assistência social.
Emprego, moradia, dignidade e cidadania para todos!