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O Brasil de Tom Jobim

Como não parece factível que o presidente abra mão do seu Auxílio Brasil e não dá para encaixá-lo junto com os precatórios


21/08/2021 04:00

grande maestro brasileiro Tom Jobim cunhou uma frase lapidar a respeito do Brasil, que se tornou tão famosa quanto suas músicas inesquecíveis: “O Brasil não é para principiantes”. Assim como as suas melodias, esse vaticínio em relação ao nosso país se mostra sempre atual, e o mais novo acontecimento a confirmá-lo é a questão dos precatórios.
 
Um dos motivos para a relativa tranquilidade que tivemos nos mercados locais desde meados de abril foi que, com a combinação de um crescimento acima do esperado e uma inflação mais persistente, tivemos uma alta surpreendente na arrecadação. O resultado foi que as perspectivas para o resultado fiscal de 2021 e, consequentemente, para a trajetória da dívida pública, melhoraram, revertendo todo o mau humor dos mercados com a questão fiscal, que vinha desde a discussão da PEC emergencial.
 
Entretanto, no meio do caminho tinha um “meteoro”. Mas, antes de entrar no mérito do problema, vamos lembrar o famoso provérbio português: “Em casa de pouco pão, todos gritam e ninguém tem razão”, ou seja, o cerne do problema não está no “meteoro”, mas no tamanho do “planeta”. Se houvesse espaço ilimitado no orçamento, seria como se o astro rochoso atingisse o Sol, mas, como temos o teto dos gastos, seria como se o tal “meteoro” atingisse a Terra. Portanto, o ponto inicial da nossa discussão é verificar o espaço que teremos no teto e qual o candidato natural a ocupá-lo.
 
Atualmente, o Bolsa-Família tem pouco menos de 15 milhões de beneficiários, recebendo, em média, R$ 192 mensais, ao custo anual de R$ 33 bilhões. A ideia do governo federal seria elevar o benefício mensal para, pelo menos, R$ 300, e aumentar o número de beneficiários para 22 milhões. Segundo cálculos de especialistas, para chegar a essa meta o governo teria que gastar ao redor de R$ 80 bilhões com o programa em 2022, um incremento de gastos de R$ 47 bilhões. Considerando a “folga” supracitada de R$ 30 bilhões, ainda faltariam R$ 17 bilhões. Fazendo uma conta de “chegada”, para aumentar o valor para R$ 300, o governo teria que ser mais comedido no número de beneficiários a que poderia chegar – no máximo, 18 milhões. Por outro lado, para atingir 22 milhões de pessoas, o valor máximo possível do benefício seria de R$ 250. Logo, um dos motivos do estresse do mercado e que não teve relação com o “meteoro” do ministro da Economia foram as especulações de que o benefício pudesse chegar a R$ 400. Aí, nem mantendo o número atual de cobertura a conta fechava dentro do teto dos gastos. Portanto, seria factível aumentar o Bolsa-Família como desejava o atual presidente, a questão seria apenas acertar o sapato ao tamanho do pé. Mas então veio o “meteoro”, na forma de precatórios.
 
Como não parece factível que o presidente abra mão do seu Auxílio Brasil e não dá para encaixá-lo junto com os precatórios sob o teto dos gastos, devemos partir do pressuposto de que nenhuma solução seria boa. Posto isso, a opção escolhida pelo governo parece ser uma combinação de parcelamento dos precatórios com o estabelecimento de um limite de pagamento anual baseado em um percentual da Receita Corrente Líquida (RCL). Porém, o problema dessa proposta é que, além do perigo de ela ser desvirtuada no Congresso por ter de ser feita através de uma PEC, ela pode ser vista como uma forma de calote, dado que muda o fluxo de pagamento de uma dívida governamental. Além disso, essa questão certamente será judicializada, uma vez que Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas deverão entrar no STF para reaver os seus direitos de pagamento imediato, em virtude de dívidas referentes ao antigo Fundef, aumentando, assim, as incertezas com relação à credibilidade do Orçamento de 2022.
 
Todas essas questões aumentaram as dúvidas com relação a uma variável que tem sido o calcanhar de aquiles da economia brasileira nos últimos anos e, certamente, influenciaram o Banco Central (BCB) a acelerar a alta dos juros para 1p.p. na última reunião do Copom. Isso fica claro ao observarmos o aviso contido no comunicado da reunião: “Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”.
 
A questão dos precatórios antecipou – e piorou – uma discussão que esperávamos que ocorresse na virada de agosto para setembro, quando o governo terá que mandar o Orçamento de 2022 para o Congresso. A combinação das limitações impostas pelo teto dos gastos, com as demandas eleitorais, já seria suficiente para causar estresse ao mercado, mas agora temos um fator adicional que limita ainda mais a margem de manobra do governo e coloca na mesa poucas opções, e todas elas ruins. Em termos de impacto sobre os mercados, acreditamos que boa parte dessa novidade ruim já foi incorporada no preço dos ativos, ficando dois pontos importantes a serem observados no curto prazo. O primeiro será se a proposta do governo vai simplesmente eliminar a diferença entre o custo orçado e o efetivo dos precatórios, ou se vai aproveitar a oportunidade para abrir mais espaço no teto para acomodar as emendas parlamentares e/ou um Auxílio Brasil mais “parrudo”. O segundo ponto seria verificar se, durante a tramitação da PEC para parcelar esses precatórios, não serão incorporados “jabutis” que acabem piorando uma situação que, por si só, já é ruim.


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