Mônica Andrade Weinstein
Conselheira do Instituto Alicerce e VP de
Aprendizagem do Alicerce Educação
Diversas organizações internacionais têm se dedicado a estimar a magnitude da perda de aprendizagem durante a pandemia da COVID-19. Pesquisa Datafolha de maio de 2021 estimou os impactos negativos na aprendizagem dos estudantes brasileiros. No pior cenário, poderia atrasar os ganhos educacionais em leitura e matemática em até quatro anos escolares.
O atraso no ganho educacional pode ser entendido como uma perda ou lacuna de aprendizagem. Todos que acompanhamos os resultados educacionais brasileiros sabemos que a perda de aprendizagem imposta pela interrupção das aulas presenciais será enorme e ainda é cedo para conhecer sua real extensão. E mais, a perda de aprendizagem não se restringe ao número de anos escolares perdidos, por mais grave que isso isoladamente já seja.
Para compreender mais profundamente o impacto dessa referida lacuna de aprendizagem, precisamos entender o que é o fenômeno que chamamos de aprendizagem. A aprendizagem, no sentido amplo, é o que permite que nosso cérebro use um pedaço de informação sobre a realidade, até então despercebido e, a partir dele, construa um novo modelo de mundo. Esse modelo pode representar uma realidade externa, como quando aprendemos história ou botânica, ou até o mapa de uma cidade; mas nosso cérebro também aprende a mapear a realidade interna de nossos corpos, como quando aprendemos a coordenar nossas ações e concentrar nossos pensamentos para tocar um instrumento musical. O pesquisador francês Stanislas Dehaène, em seu recém-publicado livro “How we learn”, explica que nos dois exemplos citados acima, o cérebro internaliza um novo aspecto da realidade: ele ajusta seus circuitos para dominar algo novo.
Em sua obra, Dehaène ainda expõe que existem quatro pilares fundamentais que usamos para aprender: a atenção, que amplifica a informação na qual nos focamos; o engajamento ativo, um algoritmo também conhecido como curiosidade, que encoraja nosso cérebro a testar novas hipóteses incessantemente; o feed-back sobre o erro, que compara nossas previsões com a realidade e corrige nossos modelos sobre o mundo; e finalmente, a consolidação, que permite a plena automatização daquilo que aprendemos.
Quando aprofundamos nosso entendimento sobre o que é necessário acontecer para que se possa aprender, fica evidente que os professores que conseguirem mobilizar essas quatro funções em seus estudantes vão maximizar a velocidade e a eficiência com que as lacunas de aprendizagem serão fechadas. No entanto, mobilizar essas quatro funções não acontecerá apenas com a exposição ao conteúdo não aprendido durante a pandemia. O ambiente escolar, sobretudo para os estudantes mais pobres e vulneráveis, é fundamental para garantir o desenvolvimento integral das crianças e jovens. No retorno gradual às aulas presenciais, é necessário focar nas necessidades sociais e emocionais das crianças – em seu senso de segurança, autoestima e confiança acadêmica. Estudo conduzido por Clayton Cook e colaboradores em 2018 revelou que gestos simples como cumprimentar as crianças na porta aumentam o envolvimento acadêmico em 20 pontos percentuais.
Garantir que todas as crianças tenham pelo menos um adulto que se importe com elas é uma proteção eficaz contra experiências adversas como pobreza, violência e negligência. No ano passado, um grupo de pesquisadores renomados e educadores influentes, incluindo Pamela Cantor, MD, Linda Darling-Hammond e Karen Pittman publicou um artigo sobre a ciência da aprendizagem e do desenvolvimento que não mediu palavras: “A presença e a qualidade de nossos relacionamentos têm mais impacto na aprendizagem e no desenvolvimento do que qualquer outro fator”.
O crescimento acadêmico, incluindo as aulas de reforço dentro e fora da sala de aula, só será possível se os estudantes estiverem motivados a aprender e, embora possa parecer contraintuitivo, as duas abordagens são complementares, pois, para motivar os alunos a aprender, temos que resolver suas lacunas de aprendizagem. As crianças e jovens brasileiros precisam dominar os conteúdos fundamentais de matemática e leitura – mas precisam fazê-lo a serviço de um propósito desafiador, que lhes mostre que as escolas, assim como suas futuras escolhas profissionais, são um “domínio onde eles podem contribuir com excelência”. O aumento dramático dos índices de evasão escolar durante a pandemia da COVID-19, sobretudo nos anos finais dos ensinos fundamental e médio, indica que os estudantes brasileiros ainda não identificam a escola como um domínio em que poderão alcançar a excelência.
Uma escola acolhedora e altamente envolvente tem uma chance melhor de atender às necessidades de todas as crianças e abrir a possibilidade de conectá-las aos pilares fundamentais da aprendizagem: atenção, curiosidade, correção de erros e consolidação. Lidar com as preocupações sobre a perda de aprendizagem, aumentando os níveis de dificuldade, pode parecer uma aposta pouco intuitiva, mas a verdadeira aprendizagem é aquela que, com relacionamento e apoio fortes, sobe a barra das expectativas, continuamente.
As perspectivas são muito incertas. Mas, no mínimo, a pandemia expôs nossa vulnerabilidade a crises e revelou quão precárias e interdependentes podem ser as instituições que construímos. As interrupções na escala que acabamos de testemunhar não se limitam a pandemias, mas também podem resultar de desordens naturais, políticas, econômicas e ambientais. Nossa capacidade de reagir com eficácia e eficiência no futuro dependerá da previsão, prontidão e preparação dos governos. Por meio de seu papel no desenvolvimento de competências e habilidades necessárias para a sociedade de amanhã, os sistemas de educação precisarão estar no centro desse planejamento.
Garantir que todos os jovens tenham a oportunidade de ter sucesso na escola e desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que lhes permitam contribuir para a sociedade está no centro da agenda global e da promessa da educação para nossa sociedade futura.