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Estado de Minas

Democracia


05/09/2021 04:00

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(foto: lelis)

 
Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
 
Um país democrático em que o Judiciário, enquanto poder do Estado, julgue sempre contra outro poder não é um Estado democrático de direito, a menos que um conspire contra o outro.

No direito público, em que a outra parte é a União, os estados e municípios, suas fundações e autarquias, como é o caso do INSS, em grau de recurso extraordinário ou em descumprimento de preceito fundamental, posso testemunhar que os entes públicos saem vencedores, mais do que os particulares, na Suprema Corte.
 

Aqui há quem queira suprimir a democracia e implantar ditaduras como se fôssemos republiquetas governadas por ditadores, ou seja, um super-homem a ditar regras para todas as tribos e bandas do Brasil

 
Não é que o STF – cuja função maior é a de ser o guardião da Constituição, segundo ela própria prevê – proteja o poder público. O STF verifica se o direito pátrio é patível com a Constituição em relação aos casos sob sua apreciação. 

Os juízes, de qualquer grau ou instância, exercem funções estritamente técnicas. A deusa antiga da Justiça traz os olhos vendados. Numa mão há, ainda, uma balança para pesar as razões das partes e na outra uma espada a desatar a discórdia (dizendo o direito). Por isso a "jurisdição" – no fundo, é certo dizer-se que significa o espaço soberano em que se diz o direito (Juris dicere). Esse cariz do Judiciário existe há séculos. Reis absolutistas e ditadores têm aversão ao Poder Judiciário. 

Durante o crescimento do Parlamento mais poderoso do mundo, qual seja, o inglês, lorde Cook não conseguiu a autonomia do ramo jurisdicional, mas não há inglês que desobedeça a uma decisão judicial. Nos EUA, o juiz Marshall teve mais sorte. Num episódio entre Jefferson e Madison, em que o governo entrante quis anular milhares de nomeações de última hora do governo que se findava, Marshall afirmou que em casos como aquele um terceiro poder, diverso do que fazia as leis (Legislativo) e do que as aplicava de ofício no seu múnus de administrar a coisa pública (res publica), tinha necessariamente que dirimir a controvérsia, sem partidarismo. Estava criada na prática a tripartição de poderes.

Marshall teve o mérito de exaltar a tese de que o verdadeiro poder político é do povo, mediante eleições periódicas, cortando pela raiz o "cesarismo", (ficar o governante no poder) alegando fraudes e "razões de Estado". Finalmente, ao atribuir às Forças Armadas o poder indelegável de manter as instituições, negou-lhes o exercício de funções reservadas aos civis, a menos que fossem para a reserva, impedindo que líderes militares se tornassem ameaças ao poder civil, atribuindo ao presidente a chefia suprema das Forças Armadas, por sobre os chefes do Exército e da Marinha, justo para não atentarem contra o Estado. Na época inexistiam aviões. Santos Dumont ainda não nascera.   

O motivo pelo qual jamais nos Estados Unidos houve insurgência contra o Estado democrático se deve a dois fatores fundamentais: uma união fraca, dotando os governadores das antigas colônias de muitos poderes (a ponto de ser quase uma confederação de estados), que se tornou uma federação depois por causa de muitas discórdias. Tiveram uma guerra civil terrível, onde morreram milhares de americanos. (As províncias do Nordeste contra as do Sudeste, escravocrata.) O segundo fator foi o júri popular, acima do juiz togado. O povo lá leva a júri quase tudo, ficando o juiz monocrático em segundo plano. Preside o júri, mas não decide sozinho. 

Embora o direito brasileiro pertença à grande família jurídica chamada de romana-germânica, a outra família é a do common law ou o jus terrae da Ilha dos Bretões: Grã-Bretanha em detrimento de Susex (saxã), Escócia (escotos) e País de Gales (gauleses), sob uma só coroa. 

Pois bem, embora o direito brasileiro seja romano-germânico, descendente das ordenações Filipinas (do rei Filipe), nosso direito constitucional é igual ao norte-americano. Lá como aqui, existe República federal, ou seja, com três níveis governativos – União, estados e municípios, com seus chefes eleitos e três níveis legislativos: o Legislativo federal (Câmara dos Deputados e Senado), este último representando os estados, e assembleias estaduais de deputados e câmaras municipais. O Judiciário é dual, há a Justiça Federal e as estaduais, e uma Suprema Corte incumbida de zelar pela Constituição e verificar a compatibilidade dos atos de todas as esferas de governo e todas as leis do país em face da Constituição. As diferenças são mínimas. Os municípios lá são condados. Aqui não, os municípios têm distritos. Só para exemplificar, Miami e Fort Lauderdale pertencem ao Condado de Dade. 

Mas há uma grande diferença entre os Estados Unidos e o Brasil. Lá ninguém pensa em mudar o regime democrático e a República federal (Estados Unidos da América). Aqui há quem queira suprimir a democracia e implantar ditaduras como se fôssemos republiquetas governadas por ditadores, ou seja, um super-homem a ditar regras para todas as tribos e bandas do Brasil. Os antídotos todos sabem: eleições livres e periódicas, imprensa livre e defesa da liberdade de opinar e divergir.   
 


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