Rosara de Oliveira Maneira
Advogada, mestre em direito constitucional,
professora de teoria geral do estado, idealizadora e voluntária do projeto Cartas de Lá e Cá
Com a pandemia da COVID-19, temos tempo novamente para escrever cartas! Associei a ideia de tempo a algo que havia sido inscrito como conceito na criação da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), que este ano comemora 25 anos e que teve, entre seus fundadores, o embaixador José Aparecido de Oliveira (1929-2007). Ele e o ex-presidente de Portugal Mário Soares, o de Angola Agostinho Neto, e representantes da Guiné Bisau, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste criaram a CPLP há 25 anos, sob os fundamentos da fraternidade.
Passei também a analisar quando substituímos as trocas de cartas por e-mail. E como conciliar uma comunicação ágil, na qual se perde em razão dessa imposição de velocidade no “espaço tempo”? O tempo, no qual crianças enviam a informação e esta é recebida e no minuto seguinte, desaparece! Tempo é construção no existir e se não compreendido é uma ameaça de esvaziamento de sentido a alimentar a desesperança.
Cartas exigem tempo para escrever, para postar e para esperar a resposta. E essa foi a minha inspiração para idealizar o livro “Cartas de lá e cá”, uma troca de correspondências entre 450 estudantes luso-brasileiros na faixa etária de 7 a 14 anos, sendo 200 da Escola Básica de Óbidos – uma vila medieval que foi tomada pelos mouros em 1148 – e 250 alunos da cidade histórica de Conceição do Mato Dentro, fundada em 1842, em Minas Gerais.
O livro, editado para ser distribuído gratuitamente, reúne o conteúdo de centenas de cartas, que começaram a ser escritas em fevereiro de 2019, como atividade de sala de aula. Durante seis meses, os professores, os escritores e as diretoras conversaram sobre o acordo ortográfico, que regula 98% das palavras da língua portuguesa. Através das cartas, puderam encontrar, inclusive, as que fazem parte do grupo dos 2%.
Como voluntária, estive em Óbidos, no final 2019, para levar os livros e me emocionei com o pedido dos miúdos para conhecerem os novos amigos brasileiros. Assumi o compromisso de organizar um encontro virtual em 5 de maio de 2020 – data que marcou a primeira edição do Dia Mundial da Língua Portuguesa – instituída pela Unesco. A ideia era promover uma conversa através de um telão. Mas, desde então, o mundo foi surpreendido pelo avanço da pandemia em várias ondas e se fechou. Fomos obrigados a cancelar, mas apenas adiamos os sonhos das crianças para depois que vencermos o vírus.