Maria Inês Vasconcelos
Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora
É quase instintivo, sempre associamos o transtorno bipolar com mudanças frequentes de humor, mania, depressão. Mas não pode se menosprezar que essa patologia altera significativamente o nível de energia das pessoas, retirando-lhes a capacidade plena para o trabalho.
A Justiça, por muitos anos, mesmo diante de grandes naufrágios humanos, seguia insistindo que a bipolaridade não tinha qualquer ligação com o trabalho e que conseguir um benefício previdenciário que garantisse estabilidade era quase impossível. Assim, como navio que afunda, milhares de trabalhadores naufragaram na carreira e perderam o emprego, quando não podiam contar com a compreensão dos patrões. A regra é geral: a mão de obra tem que ser sã, do ponto físico e mental, e a licença é diminuição de receita: aumento de custos.
Um novo olhar dos tribunais provocou avanços na compreensão desse quadro e sua relação com o trabalho. Decisões recentes dos tribunais brasileiros revelam uma evolução na compreensão de que o ambiente laborativo pode, sim, contribuir para o agravamento desta patologia. Há vários acórdãos nesse sentido, inclusive da 4ª região. Assim, a bipolaridade passou para a agenda das doenças ligadas ao trabalho, pela relação de concausalidade. Isso quer dizer que, mesmo que não seja causa determinante, o trabalho gatilha crises e agrava a doença.
Um ambiente inóspito, rodeado de pressão, com imposição de condições desfavoráveis, permeado por violência psicológica, metas, monitoramento de produção, assédio é extremamente perturbador para quem tem o transtorno bipolar. Chega a ser um verdadeiro desafio conseguir dominar os sintomas da patologia e compatibilizar com o trabalho. Dizem que a rosa morre mais rápido que o jardineiro.
Muito se tem dito sobre burnout e depressão, mas a bipolaridade ainda permanece de fora, e só por um encaixe é que consegue proteger o bipolar.
Não é demais ressaltar o significado do trabalho na vida das pessoas e seu papel singular na construção da autoestima e da identidade. Para muitos bipolares, só o fato de ter uma atividade regular e uma rotina já é um pouco de estabilidade. Por isso, uma Justiça firmemente convencida de que o trabalho pode agravar e desencadear essa doença é um grande avanço rumo à recuperação do verdadeiro sentido do trabalho.