Jornal Estado de Minas

Cultura cigana não é religião

Maria Madalena Nunes
Doutoranda e mestre em estudos de cultura contemporânea, especialista em formação de professores e pedagoga

A cultura cigana desperta sempre muita curiosidade quando posta em evidência. As músicas, danças, o colorido das roupas e adereços, os oráculos, a língua de cada etnia e até mesmo a gastronomia fazem com que muitas pessoas queiram saber mais sobre esse universo envolto em mistério, ainda tão desconhecido em nossos dias.



Muitos confundem as etnias ciganas com algum tipo de religião. Na umbanda, por exemplo, existe uma linha denominada Linha de Ciganos, ou Linha do Oriente. Talvez por isso a confusão.

É preciso deixar claro que as pessoas ciganas não são praticantes de uma religião assim denominada. Não existe “batismo cigano” para um não cigano. Infelizmente, não é possível tornar-se cigano num ritual, num curso, ou por qualquer outro meio. Nem por casamento.

Ciganos são pessoas nascidas dentro das etnias ciganas. Como brasileiros nascem no Brasil e japoneses nascem no Japão. Como indígenas pareci, bororós, xavantes, que nascem nas aldeias, filhos de pais igualmente indígenas dessas etnias.

Para ser um cigano ou cigana é necessário que ao menos um dos pais da criança seja de uma das etnias Rom, Calon ou Sinti. Não existem “ciganos de alma”, “diploma de cigano” e outras coisas do tipo, que são apenas mais uma das bobagens ditas por não ciganos, que desconhecem essas culturas e tentam, inclusive, tirar proveito da situação enganando pessoas e prejudicando a imagem das etnias ciganas.



As culturas ciganas têm sido muito prejudicadas, já de longa data, com toda sorte de lendas e atribuições falsas a respeito de seus modos de ser e existir. A sociedade brasileira precisa conhecer, de fato, os pressupostos desse povo tão diverso, tão fluido, resistente, resiliente.

A literatura e a mídia têm tido um papel importante na disseminação de falsos conceitos que acabam reforçando estereótipos negativos, preconceitos, marginalização e segregação. Essas ideias errôneas fazem com que ainda hoje exista perseguição a esses povos, gerando medo, violência, mortes e incertezas em relação ao futuro.

Ciganos podem ser nômades, sedentários ou seminômades. Podem ser ricos ou pobres, católicos, evangélicos, kardecistas etc. Podem ser analfabetos ou pós-doutores. Viver de comércio viajante ou até ocupar altos cargos no governo e na administração pública. Há casos em que podemos conviver por décadas com pessoas ciganas sem nunca desconfiarmos disso. Já tivemos dois presidentes ciganos e a maioria das pessoas não sabe.



A fluidez dessas culturas é muito grande, muito diversa, assim como ocorre na sociedade em geral. Há pessoas ciganas e não ciganas de todo tipo. Mas, frequentemente, os ciganos são apontados apenas pelos erros, que muitas vezes são narrativas enviesadas, apressadas e mentirosas a respeito deles.

É preciso conhecer mais a respeito, dar mais espaço em todos os contextos para que as pessoas de etnias ciganas possam falar. Não só permitir que se fale delas, mas muito mais que isso, que elas próprias ocupem esse lugar de fala e desconstruam estereótipos seculares que foram lançados com base na colonialidade dos saberes. É hora de descolonizar esse pensamento.

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