Regina Oliveira
Coordenadora de editorial e revisão da Fundação Dorina Nowill para Cegos, integrante do Conselho Ibero-Americano do Braille
Desde os primórdios, a humanidade busca por recursos tecnológicos para facilitar a sua vida na Terra. Isso o levou à descoberta do fogo, à invenção da roda e ao desenvolvimento da linguagem. Há cerca de 5 mil anos, caracteres gráficos começaram a ser utilizados pelas mais diversas civilizações como um meio de comunicação.
Para as pessoas cegas, porém, a comunicação escrita só teve início milênios depois, em 1825, quando um sistema revolucionou a vida dessas pessoas: o braille. Com seis pontos, que combinados entre si permitem a representação do alfabeto, números e simbologias, a técnica leva o sobrenome de seu criador, Louis Braille, e se tornou pioneira ao permitir mais autonomia e independência das pessoas com deficiência visual.
Em 4 de janeiro se celebra o Dia Mundial do Braille. E, mesmo com todos os avanços tecnológicos, esse continua sendo o único método eficaz de alfabetização de crianças e adultos cegos.
Considerado um sistema universal e natural de leitura e escrita, o braille pode ser adaptado a todos os alfabetos do mundo – recentemente, ganhou escrita guarani, no Paraguai. Além disso, é o único meio que permite o contato direto das pessoas cegas com os textos escritos, acionando a mesma área do córtex cerebral que é utilizada com a leitura visual.
Ou seja: a alfabetização de uma criança cega por meio do Sistema Braille é imprescindível para o seu desenvolvimento neuropsicomotor. É somente lendo textos impressos ou por meio de uma linha braille que essa criança vai aprender ortografia e toda a simbologia das diferentes áreas do conhecimento (português, matemática, física etc.).
Nos últimos anos, contudo, o advento de novas tecnologias tem se sobreposto a esse método. Recursos como tablets e computadores, livros falados e digitais, leitores de tela, internet, smartphones e tantos outros, ao mesmo tempo em que ajudam na educação e profissionalização das pessoas com deficiência visual, se tornam um risco para a extinção do sistema.
Há algum tempo, Fredric K. Schroeder, vice-presidente da Federação Nacional dos Cegos dos EUA, vem alertando para o fato de que cerca de 90% das crianças cegas americanas já estão crescendo sem aprender a ler e escrever. Para o especialista, isso acontece justamente porque elas estão optando por recursos digitais em detrimento ao braille, preferindo uma leitura passiva, e não estimulante. É um fenômeno que muitos chamam de desbraillização.
Se essa realidade não for mudada, em breve todas as crianças que nascerem cegas ou que perderem a visão na primeira infância serão consideradas analfabetas funcionais.
E a quem cabe a responsabilidade de impedir essa grande tragédia? A todos.
As famílias devem conhecer e se orgulhar do sistema natural de escrita e leitura utilizado por seus filhos cegos, participando e incentivando a sua alfabetização. Os professores precisam conhecer o Sistema Braille, estar conscientes da sua importância e buscar recursos para prover a educação inclusiva. A comunidade escolar deve entender que o esse sistema não é algo folclórico, e sim um recurso capaz de oferecer às crianças cegas as mesmas oportunidades de aprendizado oferecidas às videntes.
E mais: as instituições especializadas devem conscientizar os pais ou responsáveis sobre essa importância, incluindo-os nas atividades relacionadas ao braille de maneira lúdica, e destruindo atitudes negativas e preconceituosas. Os governantes devem garantir a oferta de livros didáticos de qualidade, adaptando-os de acordo com as necessidades de cada um. As editoras de livros, ao elaborar o texto de obras didáticas, devem ter plena consciência de que esse conteúdo será compartilhado por públicos com diferentes necessidades. Enfim, todos têm um papel fundamental.
Se cada um desses segmentos assumir de fato a sua responsabilidade, o braille poderá ser oferecido e aproveitado em toda a sua genialidade, como um sistema que por quase 200 anos vem permitindo que milhares de pessoas cegas vivam com independência e autonomia.