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Estado de Minas editorial

O Brasil da barbárie

O país dificilmente sairá da epidemia de violência em que mergulhou se não houver um movimento de indignação e mobilização da sociedade


03/02/2022 04:00



O Brasil se tornou um país familiarizado com a barbárie. Por mais violento que seja um ataque a um cidadão, são pouquíssimos os que levantam a voz da indignação para cobrar ações efetivas do Estado. Há uma espécie de normalização de todo tipo de crime. É só mais um, dizem muitos. Essa tolerância à violência demonstra o quanto a sociedade está doente. O brasileiro cordial, descrito pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, se resume à ficção. Na vida real, o ódio tem falado mais alto.

As estatísticas estão à disposição para comprovar a banalização da vida no país. São mais de 50 mil mortes por armas de fogo por ano – a maioria, de negros. Em nenhum outro país se registra tamanha violência, nem mesmo naqueles que estão em guerra civil. A situação é tão dramática, que o Brasil é a quinta nação mais perigosa para crianças e adolescentes, e onde mais são mortas pessoas por sua orientação sexual. O feminicídio também se tornou uma praga.

Os assassinatos do congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, no Rio de Janeiro, e de Ana Cristina de Araújo, de 51, em Brasília, são exemplos cruéis da epidemia de violência na qual o país mergulhou e da qual dificilmente sairá se não houver um movimento de indignação e mobilização da sociedade. O jovem foi morto a pauladas por cobrar R$ 200 pelo serviço que prestou a um quiosque na Barra da Tijuca, bairro de classe média alta do Rio. Ana teve a vida ceifada por golpes de facão desferidos por um homem que não aceitava o fim do relacionamento com a filha dela.

Em ambos os casos, os crimes foram presenciados por várias pessoas, que nada fizeram para conter os assassinos. Como se fossem atos corriqueiros. Moïse morreu por ser um homem negro e pobre. Fosse um jovem branco, filho da classe média, sendo espancado, a reação seria outra. Ana, uma empregada doméstica, também negra, não teve a proteção do Estado. O algoz já havia sido denunciado à polícia e estava proibido de se aproximar dela. Essa é a realidade de muitas mulheres que são mortas por companheiros ou ex.

A indiferença da sociedade ante esses crimes é brutal. O assassinato de Moïse ficou no anonimato por mais de uma semana. Não fosse um movimento feito por familiares, o crime ficaria no limbo dos casos sem solução e esquecidos. Não seria exceção: menos de 10% dos assassinatos são solucionados pelas polícias de todo o país. É o caso dos três meninos negros mortos por traficantes porque teriam roubado uma gaiola de passarinhos de um parente dos criminosos. Quantas outras famílias terão de passar pela mesma dor?

Em um país em que, para o governo, armar a população é mais importante do que dar uma educação de qualidade, o respeito à vida ficará restrito ao dicionário. E corre-se o risco de se repetir por aqui o que se via nos Estados Unidos no século 19 e em meados do 20, em que negros eram linchados por causa da cor de pele. O descompromisso com a vida era tamanho que esses atos de violência se transformaram em espetáculos públicos, verdadeiros acontecimentos com o beneplácito das autoridades. No Brasil, além de negros, estão ameaçados desse destino trágico pobres, mulheres, gays e indígenas.

O "Estado" paralelo tem poder de decidir hoje quem vai morrer ou viver. Os três meninos negros que nunca tiveram os corpos encontrados foram sentenciados pelo tribunal do tráfico. No caso de Moïse, que fugiu da guerra civil do Congo acreditando que o Brasil era um lugar seguro, a crueldade seguiu a lei da milícia que domina os quiosques.


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