Gerson Leite de Moraes
Professor do programa de pós-graduação em educação, arte e história da cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Sara Lautenschleger de Moraes
Professora da rede pública do estado de São Paulo na Escola
Estadual Rosina Frazatto dos Santos, em Campinas/SP
Estamos convivendo há mais de dois anos com o vírus da COVID-19, fato que tem marcado profundamente a vida das pessoas e de suas famílias, quer seja pelas perdas dos entes queridos, quer seja pelos efeitos necessários do isolamento social a que precisamos ser submetidos. Efeitos esses revelados nas famílias através da relativização do tempo, criando um efeito anárquico nos hábitos de acordar, comer e dormir, bem como no afrouxamento das regras de convivência, estimulado por um sistema de compensação que vem sendo utilizado como um mecanismo para amenizar os efeitos gerados por este contexto pandêmico.
Dessa forma, o que se tem presenciado neste momento com mais de duas semanas de retorno presencial às aulas, além da defasagem de conhecimentos que este período acarretou, é que as crianças e adolescentes apresentam uma hipersensibilidade às repreensões e uma dificuldade maior em aceitar que os ambientes e o contexto escolar apresentam regras de boa convivência. Ao passear pelos shoppings ou áreas de lazer, não é raro notar crianças que choram por não aceitar as regras que seus pais impõem ou perceber que alguns pais têm aceitado a malcriação de seus filhos, achando perfeitamente normal que suas crianças desrespeitem um ambiente coletivo de convivência e que por si só apresenta regras de boa convivência e de educação, como não falar alto, por exemplo.
Já no contexto escolar, o que tem se visto são pais que criaram uma redoma em volta dos filhos, que são tidos como perfeitos, pois “não mentem” e são “hipersensíveis”. Percebe-se que os filhos parecem ser de cristal, por não suportarem ser repreendidos, e que os pais são de vidro, por não reconhecerem seu lugar de autoridade diante da vida de seus filhos. Esses mesmos pais desejam reprimir e inibir professores e educadores de cumprirem as suas funções ao ter que chamar a atenção dos estudantes que perderam a noção do limite entre o certo e o errado devido ao afrouxamento das regras a que foram submetidos em seus lares, rejeitando a escola por ser um ambiente em que há regras a serem obedecidas.
Cabe aos professores e educadores a leitura sábia deste contexto, continuando a cumprir sua missão, sabendo que neste momento inicial encontrarão dificuldades de aceitação, tanto por parte dos estudantes quanto por parte das famílias, pois o que está sendo dito de forma simbólica por eles é: estamos rejeitando o conjunto de regras imposto pela escola e por seus membros, queremos continuar superprotegendo nossos filhos. Já aos pais, cabe-lhes a tarefa de respeitar a autoridade que todo professor precisa ter no espaço da sua sala de aula e que, neste ambiente, a prerrogativa da condução do processo de ensino-aprendizagem e a supervisão do contrato didático das regras é do professor, sendo que não cabe à família neste momento impedir o processo de corte do “cordão umbilical” que precisa ser feito para o avanço do crescente processo de desenvolvimento de nossas crianças, transformando-as em seres mais autônomos, sabedores de seus direitos, todavia cumpridores de seus deveres.
Para cada direito que é evocado existe um ou mais deveres a serem cumpridos. A reivindicação dos direitos traz consigo a reflexão do exercício dos deveres. O primeiro passo em direção ao desenvolvimento da autonomia de nossos filhos é considerar que o outro (professor) enxerga características positivas e negativas das crianças, que nós nem suspeitávamos que existissem. As qualidades positivas precisam ser reconhecidas e as negativas precisam ser tratadas, nenhuma repreensão é fácil de ser digerida, mas tem a função de nos fazer crescer.
Diante disso, que nós, enquanto pais, não sejamos aqueles que impedem o crescimento de nossos filhos e, enquanto educadores, reconheçamos a importância da leitura sábia deste contexto e da missão de educar, o que implica muitas situações na colocação de limites.