Jornal Estado de Minas

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Ficha limpa, STF e as incongruências





Marcelo Aith
Advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em blanqueo de capitales pela Universidade de Salamanca, professor convidado da Escola Paulista de Direito e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP


Os ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram, por 6 votos a 4, a ação que questionava um trecho da Lei da Ficha Limpa que estabelece o prazo de inelegibilidade de condenados. No julgamento, foi analisada a proposta do Partido Democrático Trabalhista (PDT) que contestava um trecho da lei que estabelece o prazo de inelegibilidade de condenados. Pela regra atual, os candidatos condenados em ações criminais – por decisão colegiada de um grupo de juízes ou por decisão sem mais direito a recurso (transitada em julgado) – fiquem inelegíveis desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena.





A ação do PDT afirmava que a redação dada pela Lei da Ficha Limpa cria uma espécie de inelegibilidade por prazo indeterminado, na medida em que o cidadão se torna inelegível com a condenação por órgão colegiado, período que vai até o trânsito em julgado; depois segue sem direitos políticos enquanto cumpre a pena, tal como definido no artigo 15, III, da Constituição Federal; e, por fim, segue inelegível por oito anos depois do cumprimento da pena. Essa previsão, na prática, faz com que a inelegibilidade possa se estender indefinidamente, dependendo da duração do processo de cada candidato.

O relator do caso na corte superior, ministro Kássio Nunes Marques, concedeu liminar na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 6.630 proposta pelo PDT suspendendo a expressão “após o cumprimento da pena”, que consta no artigo 1º, inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar 64/90, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa. Marques, assim, determinou que o tempo de inelegibilidade não pode ultrapassar os oito anos previstos na legislação. Conforme o entendimento de Nunes Marques, o político enquadrado na Ficha Limpa já fica proibido, sob as regras atuais, de concorrer em eleições por todo o período entre a condenação e o cumprimento da pena. Esse período, portanto, deve ser descontado dos oito anos de suspensão, segundo o ministro.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu da decisão de Nunes Marques. Em seu recurso, a PGR argumentou que o ministro não poderia ter suspendido o trecho da Lei da Ficha Limpa porque, de acordo com a legislação, mudanças em regras eleitorais só podem valer se forem estabelecidas ao menos um ano antes do pleito.





Na votação de 9 de março último, o ministro Alexandre de Moraes, que será o presidente do TSE nas próximas eleições, divergiu do relator, e defendeu que a Lei da Ficha Limpa teve como objetivo “expurgar” da política, pelo maior tempo possível, os criminosos graves. O ministro afirmou que a ação nem sequer deve ser julgada porque não houve alteração da lei ou de entendimentos do STF sobre o tema, e a corte já definiu sobre a questão da inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. “A ideia da Lei da Ficha Limpa foi exatamente expurgar da política por mais tempo que seja possível criminosos graves. Houve julgamento que consta no dispositivo. Então, nós estamos discutindo o que já foi discutido. Não me parece ter havido alteração fática para uma mutação constitucional, uma vez que os crimes graves que geram inelegibilidade não diminuíram, infelizmente. Então, nós estamos rediscutindo. Nós vamos abrir a possibilidade de inúmeras outras ações rescisórias travestidas de ações diretas, ações declaratórias”, afirmou.

O voto de Moraes foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

A decisão influenciará, na prática, o tempo em que os afetados pela norma ficarão com os direitos políticos suspensos e, portanto, inelegíveis. Criada em 2010, a lei da Ficha Limpa prevê oito anos de inelegibilidade para quem for condenado por um órgão colegiado, em segunda instância. Segundo a legislação, porém, esses oito anos só começam a contar ao final do trâmite judicial, após o cumprimento da pena. Com isso, alguns políticos ficam inelegíveis por mais tempo que outros, a depender da duração do processo.

Não há dúvida da correção da posição do ministro relator Nunes Marques: a alínea “e”, inciso I, do artigo 1º da Lei Complementa 64/90, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa, estabeleceu um prazo de inelegibilidade absolutamente desproporcional e desarrazoado.





No mesmo sentido é a inelegibilidade prevista na alínea “l” do inciso I do artigo 1º da LC 64/90, que tem a seguinte redação: “l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”.

Essas situações criam inelegibilidades que transcendem os oito anos contados a partir da decisão proferida por órgão colegiado ou transitada em julgado que ensejou o impedimento. Há uma extrapolação patente das hipóteses de inelegibilidade que não foram corrigidas, ao meu ver, pela corte superior.