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Ensina com amor

''É preciso acabar com uma dívida histórica, relacionada à escolarização dos mais pobres. Trata-se de "um dever de casa" que o Brasil não conseguiu concluir''


18/03/2022 04:00

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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ddd (foto: dd)

Ensinar com amor é meta prioritária e compromisso interpelante da Campanha da Fraternidade 2022 – de tema “Fraternidade e educação” –, iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), iluminada pelo horizonte do tempo da quaresma. A prioridade desta meta – ensinar com amor – formando o binômio com o “falar com sabedoria”, contém propriedades para respostas urgentes na configuração civilizatória do mundo contemporâneo. E somente é capaz de ensinar com amor aqueles que são aprendizes do amor a ser ensinado. Essa capacidade para educar remete a um inteligente pensamento de Santa Tereza d’Ávila, doutora da Igreja: ensinar não é teorizar, mas transmitir convicções e compartilhar experiências.  

A qualidade da educação vai além da transmissão e do aprendizado de conteúdos informativos e técnicos – essenciais para a condução de processos. Envolve o compartilhamento de convicções e de experiências, emoldurando e fecundando as dinâmicas do contexto educacional. Compreende-se, consequentemente, que ensinar com amor é força pedagógica determinante e investimento importante para que a humanidade consiga revestir-se de um novo tecido civilizatório, com mais fraternidade, justiça e paz. Por isso, abordagens relacionadas aos processos educativos não se limitam aos ambientes das escolas e academias. Oportuna é a convocação do papa Francisco para que todas as forças sejam investidas na efetivação de um Pacto Educativo Global. Isso significa compreender e atuar por uma nova realidade e um novo horizonte para a educação, incontestavelmente porque o atual cenário dá sinais evidentes de que precisa mudar, em diversos âmbitos e aspectos.

A sociedade pede rápidas mudanças, que podem ser alcançadas por meio de um processo educativo capaz de levar o ser humano a reconhecer a sacralidade da vida e a necessidade de se priorizar a fraternidade universal. Tristemente, o mundo convive com escolhas e decisões equivocadas que inviabilizam esse reconhecimento. Com isso, a justiça e a paz ficam comprometidas, convive-se com os horrores das guerras, com a exclusão social que agrava cenários de miséria e de fome. A vida – da concepção à morte, com o declínio natural – fica permanentemente ameaçada por escolhas e decisões equivocadas, também de dirigentes e líderes. Convive-se com o envenenamento das manipulações de interesses e até de legislações, para favorecer desmandos e ilegalidades. Atitudes egoístas que atrasam a sociedade na conquista de uma lucidez possível, quando considerados os avanços científicos e as lições oferecidas pela história. 

Ensinar com amor é, pois, o desafio a ser assumido para que se possa transformar a realidade. Particularmente, merece atenção o que ocorre no Brasil, onde o ensino formal avançou significativamente nas últimas décadas, mas, ao mesmo tempo, há graves desafios estruturais no campo da educação. As dimensões continentais do país, marcadas pelas singularidades regionais, configuram um cenário complexo, com problemas que, para ser superados, pedem a participação de toda a sociedade, com inteligente e arrojada articulação de instâncias governamentais. De modo especial, é preciso acabar com uma dívida histórica relacionada à escolarização dos mais pobres. Trata-se de “um dever de casa” que o Brasil não conseguiu concluir. 

Investimentos mais determinantes no ensino, para superar as carências desse campo no Brasil, são especialmente relevantes no contexto de um pacto educativo global – que considera a necessidade de avanços mais expressivos, em todo o planeta, edificando nova consciência civilizatória. É hora de um novo tempo na educação – não como um processo sectário, singular, mas uma obra necessariamente social. Uma educação integral e inclusiva, cuidadosa – para não se contaminar com ideologias venenosas e prejudiciais –, capaz de promover diálogos construtivos, contribuindo para que prevaleça a unidade e sejam superados os conflitos. Pertinente é a observação do papa Francisco, na carta-encíclica Laudato Si’: a educação será ineficaz e seus esforços estéreis se não houver compromisso com a construção de novos parâmetros relacionados ao ser humano, à sociedade e ao cuidado com a natureza. 

A atuação de educadores no âmbito formal escolar, na família, nas instâncias governamentais e empresariais, é, pois, decisiva. Igualmente importante: cada cidadão compreenda que processos educativos são válidos e cumprem bem o seu papel à medida que se ensina com amor. Isso significa reconhecer a importância do outro, do sentido de alteridade, conforme ensina a fé cristã. Essa compreensão sublinha a importância do amor, invalidando ódios e disputas. Assim, revela-se prioridade investir na educação dos sentimentos e das emoções, de onde podem nascer preconceitos e discriminações que ferem o tecido civilizacional. Consegue aprender e, consequentemente, ensinar com amor quem se deixa fecundar pela espiritualidade da solidariedade fraterna, curando-se dos extremismos e das polarizações. Trata-se do caminho que leva à competência para falar com sabedoria. O mundo precisa, muito e urgentemente, de quem ensina com amor.
 


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