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Justiça do Trabalho e motoristas de aplicativos

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Bruno Gallucci
Advogado e sócio do escritório Guimarães e Gallucci Advogados 

Uma decisão inédita da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista e plataformas de aplicativos como Uber, Cabify e 99 e abriu um novo precedente nas relações trabalhistas entre empresas de aplicativos e seus prestadores de serviços.




 
Isso porque, segundo a corte superior da Justiça do Trabalho, na relação entre aplicativos de transporte como Uber e motoristas dessas plataformas estão presentes os cinco elementos que configuram o vínculo empregatício. Essa foi a tese firmada pelo voto do relator do caso, ministro Maurício Godinho Delgado, e que foi acompanhado pela maioria do colegiado. 
 
Importante destacar que no entendimento do ministro Maurício Godinho Delgado todos os elementos que configuram o vínculo de emprego estão presentes na relação entre os motoristas e as empresas de aplicativo. Para ele, essas empresas "exercem poder diretivo com muita eficiência", determinando ordens objetivas a serem cumpridas pelos motoristas. O ministro destaca também que existe a nova subordinação algorítmica efetivada por meio de aplicativos. O caso analisado tratava do pedido de reconhecimento de vínculo de emprego entre o motorista e o aplicativo, que foi negado em 1ª e 2ª instâncias da Justiça do Trabalho. Os aplicativos argumentavam, entre outros pontos, que os condutores têm liberdade para escolher horários e locais de trabalho. 
 
Em dezembro do ano passado, o relator Delgado reiterou seu posicionamento no sentido de que há, sim, vínculo de emprego. Naquela ocasião, também se manifestou o ministro Alberto Bresciani, acompanhando o relator no processo, e destacando que as plataformas digitais modificam o panorama trabalhista. O julgamento, no entanto, havia sido suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre Agra Belmonte, que votou contra a tese do relator, mas a maioria já estava formada.




 
É relevante destacar que esse reconhecimento de vínculo entre trabalhadores que prestam serviços de motoristas e entregadores de aplicativos e as empresas de tecnologia só é possível através de uma ação na Justiça, pois não há uma legislação específica que regule a matéria e assegure direito à categoria. Assim, cabe ao Judiciário legislar sobre o tema até que o Congresso Nacional discuta de uma forma séria a regulamentação desta categoria de trabalhador, que cresceu assustadoramente na pandemia.
 
 As plataformas de aplicativos reforçam em seus recursos na Justiça que os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço, mas que “são profissionais independentes, que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo”. E que “os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima”.
 
Entretanto, essas justificativas não condizem com a realidade. Isso porque esse modelo de trabalho ‘on-demand’ por meio de aplicativos se relaciona com a execução de atividades laborais tradicionais, como transporte e limpeza, além de tarefas administrativas e de escritório. Os serviços são oferecidos por meio de aplicativo, que estabelece e garante um padrão de qualidade mínimo na realização do trabalho, bem como seleciona e gerencia a mão de obra. Também, por meio do uso do aplicativo, o prestador de serviço e o consumidor identificam oferta e demanda, o trabalho é executado em face de uma necessidade apresentada e é feito o pagamento e avaliação após a finalização do trabalho.




 
Já no caso da empresa Uber e outras relacionadas, existe a subordinação algorítmica por meio da tecnologia acompanhada de todos os elementos que caracterizam a relação de emprego, sendo acertada a decisão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu esses direitos no caso em concreto.
 
A Uber, por exemplo, se considera uma plataforma que aproxima motoristas de passageiros e entende que os trabalhadores que prestam serviços por meio do aplicativo são contratados independentes. Porém, no cotidiano desses motoristas resta claro, e pode ser facilmente comprovado, que existe uma relação de emprego entre os profissionais e a empresa.
 
E a decisão do TST de reconhecer o vínculo empregatício nas relações entre motoristas e as plataformas de aplicativos pode criar um efeito cascata e estimular a ação de outras categorias para que tenham direitos trabalhistas reconhecidos como entregadores ou mesmo de profissionais com maior especialização, como advogados e técnicos da computação, que usam plataformas on-line como intermediárias na venda de seus serviços.
 
A modernização da tecnologia de comunicação e informação desafia e cria novas modalidades de trabalho e, por se tratar de uma constante evolução, deve potencializar a valorização do trabalho humano e não servir de retrocesso e desregulamentação dos direitos sociais com a precarização das relações sociais e trabalhistas, princípios defendidos em nossa Constituição Federal.