As previsões de chegada de uma massa de ar frio ao país, derrubando temperaturas a níveis históricos nas regiões Sudeste e Sul, com neve, chuva congelante, geada e ciclone extratropical, principalmente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, acendem o alerta para a vulnerabilidade de mais de 220 mil brasileiros que vivem hoje em situação de rua em todo o país, segundo estimativas do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea) anteriores à pandemia da COVID-19.
Estima-se que esse número tenha dobrado nos últimos dois anos com os efeitos da doença e do aumento acelerado da inflação. São brasileiros que dependem mais da solidariedade dos seus concidadãos e que nem sempre contam com políticas públicas. Até porque, essas políticas precisam ser voltadas para retirar essas pessoas da situação precária na qual sobrevivem e não apenas – embora extremamente necessárias – para campanhas de doação de agasalho.
A expectativa de frio extremo joga luz sobre um contingente de brasileiros que, principalmente nas capitais, vivem em barracas nas avenidas, debaixo de marquises e viadutos, muitas vezes com crianças. Mas, além desses, há outro contingente de brasileiros que vivem em moradias precárias. Nas contas do IBGE, também anteriores à pandemia, há 5,1 milhões de domicílios em situação precária no Brasil, o que, considerando a estatística de uma média de 4 pessoas por moradia, compreende um universo de pouco mais de 20 milhões de pessoas. E não é apenas a temperatura baixa e as doenças de inverno que assombram os brasileiros.
A mudança climática no Sul do país pode agravar outro tormento para a população menos favorecida: a inflação. No momento em que os preços de hortaliças mostram perda de fôlego nas bancas das feiras e prateleiras dos supermercados, o frio extremo pode gerar perdas nas culturas de hortaliças folhosas e legumes, como batata e tomate, e frutas. E alguns desses itens, como o tomate, foram os grandes vilões do elevado índice de inflação do país, junto com os combustíveis, que nesse caso também podem ser afetados pelo inverno mais rigoroso. A queda de temperatura e a ocorrência de geadas afetam a safra de cana-de-açúcar, com risco de elevação dos preços do etanol e consequentemente da gasolina, na qual o derivado da cana é adicionado.
E tanto no caso da população que sofrerá os efeitos do frio, quanto no caso da possibilidade de aumento de preços por causa de efeitos climáticos, o governo federal se mostra de mãos atadas e sem iniciativas que possam amenizar uma ou outra situação. Mesmo em relação a medidas que o próprio governo adotou, há desacerto em relação aos objetivos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que cobra das indústrias a redução de preços depois do corte de 35% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), enquanto o presidente Jair Bolsonaro afirmou recentemente que os preços seriam reajustados, mas não foram porque o imposto foi reduzido, sinalizando que o objetivo da medida já teria sido alcançado.
Pressionado e muitas vezes agindo mais para buscar sua re- eleição, o próprio Bolsonaro contribui para pressionar os preços. A correção da tabela de fretes por medida provisória, editada para amenizar os protestos dos caminhoneiros contra a alta do diesel, vai elevar os preços dos produtos transportados por caminhão, o que significa mais de 60% da carga movimentada no país. Frete é custo e foi o encarecimento dos custos que barrou a transferência integral da redução do IPI na indústria para os preços ao consumidor. O frio maior do que o esperado grita pela solidariedade dos brasileiros para agasalhar os mais pobres. E na ausência de uma ação mais vigorosa do governo, se solidarizam para enfrentar a inflação fazendo compras em grupo e em maior quantidade nas centrais de abastecimento.