Leandro Razera
Advogado e ex-assessor de juiz
Diana Bittencourt
Advogada e especialista em Direito Tributário pela FGVLaw/SP
Na última terça-feira, 24, foi sancionada a Lei 14.344/2022, que passou a considerar como hediondo o crime de homicídio praticado contra menores de 14 anos, ficando essa Lei conhecida como “Lei Henry Borel”.
O nome da lei tem por referência a criança de 4 anos, de mesmo nome, que foi vítima de espancamento e, posteriormente, morto no apartamento em que morava com a mãe e o padrasto no Rio de Janeiro, em 2021.
Primeiro se faz necessária uma análise sobre os motivos que levaram a Constituição Federal de 1988 a estabelecer punição mais rigorosa de determinados crimes, considerados previamente como de maior gravidade.
Tal previsão decorreu de um movimento de política criminal bastante severo que buscava diminuir a criminalidade, a qual vinha ganhando espaço, no Brasil a partir da década de 1980.
As bases em que se fundava esse movimento pregavam, em linhas gerais, que somente leis severas, que impusessem longas penas privativas de liberdade ou até mesmo de morte, seriam capazes de desestimular a prática de novos crimes, intimidando a sociedade com a retribuição que dava aos infratores.
Nesse contexto, inclusive, é que teve origem a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), que tinha justamente o objetivo de tornar mais rigoroso o tratamento a criminosos de maior periculosidade, autores de crimes mais graves, que tiram o sossego da comunidade.
Por conta disso, a referida lei estabeleceu novos crimes, aumentou as penas de crimes já existentes e agravou a disciplina do regime de cumprimento de pena.
A consequência prática de rotular determinados crimes como hediondos é que o apenado deixa de ter direito a alguns benefícios constitucionais e legais, como, por exemplo, a fiança, a graça e a anistia, ou tenham restrição na obtenção desses benefícios, como a exigência de maior tempo de cumprimento de pena para progredir de regime.
É exata e precisamente nesse cenário que foi pensada a Lei Henry Borel, passando a prever como qualificado e hediondo o homicídio contra menores de 14 anos cuja pena é de reclusão de 12 a 30 anos, prevendo, ainda, causas de aumento da pena em determinadas circunstâncias, como, a título meramente exemplificativo, quando a vítima é pessoa com deficiência ou doença que aumente sua vulnerabilidade.
Com base na Lei de Crimes Hediondos, o apenado por crime dessa modalidade fica sujeito a cumprir sua pena em regime inicial fechado, mas o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que essa previsão contraria a Constituição Federal de modo que o juiz, no caso concreto, pode fixar o regime inicial como semiaberto ou mesmo o aberto, tudo a depender da pena aplicada e das particularidades de cada situação.
Por derradeiro, no que tange à progressão de regime em crimes hediondos, a lei exige o cumprimento de pelo menos 40% da pena imposta, podendo esse percentual chegar a até 70%, a depender se o apenado é primário ou reincidente e de acordo com alguns crimes considerados de maior gravidade. Esses percentuais são frutos de modificação legislativa promovida em 2019 pelo “Pacote Anticrime” (Lei 13.964/2019).
Essa modificação legislativa, por trazer um tratamento mais rigoroso para o apenado, não pode retroagir, pois no direito vige a regra de que a lei mais gravosa só se aplica a fatos ocorridos após a sua existência, jamais podendo atingir fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor.
São essas as principais consequências práticas quando o legislador considera determinados crimes como hediondos. Basta ver, agora, como se dará concretamente essa modificação da lei pela chamada “Lei Henry Borel”, se haverá, de fato, maior eficácia no tratamento penal dispensado ou se não passará de apenas mais uma criação legislativa sem estudo prévio e discussão com a sociedade sobre sua real necessidade e efetividade.