O refrigerante já não é daquela marca mais conhecida; a carne mais barata é a opção no açougue, mesmo que não fosse exatamente a ideia do cardápio no dia; produtos de limpeza mais baratos vão da gôndola para o carrinho, deixando as estrelas das prateleiras – e dos preços – em segundo plano; a academia entra na lista das atividades ameaçadas, as sessões de terapia viram alvo de reflexão, enquanto o bar ou restaurante do fim de semana é trocado por uma reunião caseira com os amigos...
A substituição de produtos, o corte de supérfluos, a redução do lazer entraram de vez nos hábitos, e no orçamento, da maioria dos brasileiros – e não apenas das classes mais carentes. Com inflação galopante, combustíveis que se transformaram em susto a cada abastecimento e uma economia que não dá sinais animadores, poupar é o verbo mais conjugado do momento, como alternativa a outro bem menos atraente: endividar-se.
Estudo recente elaborado pelo Departamento de Estatística da Euroconsumers – organização sem fins lucrativos formada por entidades europeias de proteção ao consumo –, em parceria com a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) traduz esse exercício em números, ao abordar a inflação e os reflexos da guerra na Ucrânia. De acordo com a pesquisa, feita via questionários on-line, desde o início do ano, 91% dos entrevistados mudaram seus gastos com moradia, energia e água, assim como os de nutrição. E 85% já não desfrutam da mesma forma de lazer e cultura.
Antes mesmo da mais recente alta dos combustíveis, 83% já declaravam ter mudado suas formas de se deslocar. Vista como o bem essencial aos demais valores, a saúde foi a que sofreu menor impacto, de acordo com a sondagem. Ainda assim, mais da metade (52%) dos consultados se viram obrigados a modificar seus padrões também nesse setor.
Mas outros aspectos que influenciam a definição de uma existência saudável também sofrem com a escalada de preços associada à crise econômica. Na mesma pesquisa, por exemplo, 49% dos entrevistados declararam que passaram a comprar menos carne vermelha, peixe ou frango devido ao custo, enquanto 41% admitiram cortar outros itens considerados não essenciais na alimentação.
Reportagem publicada na segunda-feira pelo jornal Estado de Minas mostra que o consumidor é a ponta das mudanças, mas que elas afetam também o produtor e, obviamente, ao longo das engrenagens econômicas, comércio, indústria e serviços. No campo, por exemplo, diante da disparada nos preços dos fretes e insumos – e impossibilitados de repassar integralmente custos a compradores que já racionam suas aquisições mais básicas –, agricultores começam a reduzir a área plantada e há quem fale em deixar a atividade.
Não é preciso ser especialista para intuir a ameaça de uma crise que afeta do consumo à produção, com a chamada estagflação – temida combinação de uma economia emperrada com preços em elevação. O brasileiro comum percebe o risco, levando-se em conta recorte de pesquisa eleitoral divulgada segunda-feira pelo Instituto FSB, apontando que 62% dos entrevistados não acreditam que a economia vá melhorar em até três meses, enquanto 63% consideram o quadro econômico atual ruim ou muito ruim. Um desafio e tanto para os próximos governantes, do Planalto aos estados, passando pelo Poder Legislativo. E, sejam quem forem os escolhidos, a missão terá de ser enfrentada em meio à tarefa inadiável de unir e pacificar um país que tende a sair politicamente estilhaçado do processo.