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Estado de Minas Editorial

Cerrado sob ataque

A preservação do patrimônio ambiental não é entrave ao desenvolvimento econômico e social do país


16/07/2022 04:00

O cerrado é reconhecido como o berço das águas. Nele estão as nascentes que abastecem oito das 12 mais importantes bacias hidrográficas do país, com destaque para Amazônica, Araguaia/Tocantins, Atlântico Norte/Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste e Paraná/Paraguai. Entre 2020 e 2021, o desmatamento do cerrado chegou 8.531,44 quilômetros quadrados (km²), o que corresponde a quase duas vezes a área do Distrito Federal.

No primeiro semestre deste ano, foram registrados 10.869 focos de incêndio, um aumento de 13% na comparação com igual período de 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Exalte-se a importância da Amazônia, por abrigar a maior floresta tropical do planeta, mas ela também poderá ser afetada gravemente ante o aumento do desarranjo pelas intervenções humanas. O colapso do cerrado, pelo avanço do desmatamento, poderá impactar nas hidrelétricas, no fornecimento de água para a população e na produção agropecuária. Além desse aspecto social e econômico, o desaparecimento de espécies da flora e da fauna também afeta o equilíbrio do bioma. As intervenções antrópicas na vegetação poderão levar ao desaparecimento de árvores que chegam a ter raízes com 15 metros de profundidade e são indispensáveis à produção de água.

Os estudos mostram que o epicentro do desmatamento do cerrado está na região de Matopiba (acrônimo formado pela primeira sílaba de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde o solo fértil dobrou a produção de grãos em 10 anos. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (Mapa), entre as safras de 2011 e 2021, a produção de soja passou de 14 milhões de toneladas para 27,6 milhões. O crescimento da safra está relacionado à supressão de mais 60% de vegetação do cerrado na região, entre 2020 e 2021.

O desmatamento compromete também a biodiversidade do cerrado, que abriga mais de 6 mil espécies de árvores, 800 de aves e concentra enorme diversidade humana: 35 terras indígenas, 46 unidades de conservação, mais de mil assentamentos e 36 territórios quilombolas. Populações originárias e tradicionais guardiãs que têm a sabedoria de manejar, sem agressões, o patrimônio natural.

Para a professora Mercedes Bustamante, do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), eleita para a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e uma das maiores autoridades sobre o cerrado, é possível conciliar economia e preservação do patrimônio natural. Para isso, é necessário planejamento.

Há várias décadas, os especialistas repetem a advertência de que o cerrado pede socorro. Mas a palavra-chave “planejar” é negligenciada pelos sucessivos governos e o descumprimento da legislação ambiental passa batido — hoje,  a insurgência chega a ser estimulada. Não basta rever os marcos legais, impor limites ou traçar planos de exploração do cerrado ou dos demais biomas, excluindo deles os conceitos de sustentabilidade. A preservação do patrimônio ambiental não é entrave ao desenvolvimento econômico e social do país. Pelo contrário, é ingrediente indispensável ante as mudanças defendidas e perseguidas pelas nações desenvolvidas. Ignorar a tendência mundial é retroceder ao primitivismo.


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