Kleber Santos
Autor do livro “Entre muros e morros”
LGBTQIA+. Chega até ser irônico e triste de identificar quem gosta de pessoas do mesmo sexo por letras, contrariando o bom senso e, inclusive, a Constituição Federal, estabelecendo que todos são iguais. O absurdo é ainda maior com a definição de um mês ou uma data para o orgulho gay. As pessoas são o que são uma vida inteira e é inacreditável existir um momento no calendário para lembrar como o próximo deve ser tratado com respeito. O momento pede algumas reflexões sobre se existe uma orientação sexual “diferente”? O amor entre iguais é crime ou está restrito somente a héteros?
O amor é um sentimento do coração igualitário e sem distinção. Amar é ser livre para se sentir querido e desejado e não está pré-determinado o sexo e/ou gênero. O sentimento também acontece entre iguais, naturalmente. Se os habitantes do planeta são iguais, é dispensável a banalização de classificá-los com letras, considerando a orientação sexual.
Assim como o amor é para todos e não é um sentimento "diferente" por existir entre pessoas do mesmo sexo, a orientação sexual não implica diferenças. Diferente é quem não ama, não respeita e pratica a intolerância, acreditando ainda que menino veste azul e menina veste rosa. Simplesmente, não se solicita políticas públicas para pessoas com base em orientação sexual. Cada um deve mudar seus próprios hábitos e crenças.
É possível observar avanços sociais, sim, decorrentes de muita luta, sofrimento, mortes e recorrentes manifestações. Contudo, a verdade é que se caminha a passos de tartaruga na retomada da dignidade e aceitação plena. Trata-se de milhares de indivíduos ainda marginalizados e não serão projetos governamentais, propostos por pessoas “normais” que garantirão cidadania, respeito e tolerância, rompendo uma tradicional barreira social.
O simples fato de nascer com orientação sexual, considerada por milhares de conservadores e preconceituosos como “diferente”, já marginaliza aquela pessoa. Muitos se acham no direito de, até, forçar uma iniciação sexual, como no meu caso, aos 8 anos, resultado de violência, ameaça e covardia.
Escrevi um livro autobiográfico para refletir sobre essas histórias e a busca da felicidade, quando se tem muitas interrogações e questões que precisam de liberdade. Não se pode sair por aí fazendo os outros felizes sem estar pleno de si mesmo. Não existe política pública para proporcionar um olhar compreensivo sobre pessoas presas a convenções ou dentro de “armários”.
A verdade é que, diariamente, centenas de gays e lésbicas inventam namoradas e namorados para suprir cobranças constrangedoras por parte dos pais, parentes e colegas. Quantos não se casam para, de fato, esconder a orientação sexual? Quem ama um igual não é marginal e nem está praticando um crime. Não é essa pessoa que deve viver sofrendo, enquanto aprende a lidar com seus sentimentos e desejos, até se apoderar de seus medos e sonhos para passar da vergonha ao orgulho. Muitos morrem sufocados dentro do armário com receio de pessoas que ainda insistem em questionar esse amor, como se fosse menos digno de respeito que os demais.
As políticas públicas não serão suficientes. A revolução é social e não ganhará muitos adeptos com, por exemplo, programas de cotas para quem gosta de pessoas do mesmo sexo. É uma questão de respeito, justiça, aceitação e igualdade diária. Não deveriam ser necessárias datas para conscientizar o povo sobre os preconceitos como homofobia e racismo entre tantos geradores de muita violência e centenas de mortes.
Independentemente da orientação sexual, as pessoas são iguais, correndo os mesmos riscos, convivendo com os mesmos problemas, as mesmas dúvidas e angústias. Todos querem uma vida segura, equilibrada e feliz. Quem quer ir para um campo nazista ser identificado por um número ou, humildemente, aceitar uma letra codificadora?
Quem “é assim”, um grande número de pessoas no mundo, deve se aceitar como é, ou seja, inteligente, pleno, alegre, produtivo e útil a uma sociedade, que, mesmo de longe, ainda que torça o nariz, sabe muito bem da força dessa gente, que quer ser, pura e apenas, respeitada e feliz.
É essencial se impor, se respeitar e se gostar em primeiro lugar. Ninguém deve se intimidar ou se esconder. Os eventos como a Parada gay e a Banda Mole dão visibilidade à causa, mas acabam sendo mais festivos e rentáveis ao mercado. Claro que a proposta demonstra a força das pessoas que amam iguais, porém, é preciso muito mais que festas.
É essencial continuar a luta pelo respeito e aceitação, promovendo frequentes debates para conscientização e combate à banalização e violência. Uma reflexão profunda permite desmitificar os preconceitos, medos, complexos e as vergonhas. Afinal, a orientação sexual “diferente” não nasce apenas na família do outro ou na casa do vizinho e o verbo amar é intransitivo.