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editorial

O Dia dos Pais e a economia

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Às vésperas dos Dia dos Pais, nem o endividamento, nem o clima de instabilidade política, nem a inflação – que em 12 meses segue ainda acima de dois dígitos, apesar de recuo em julho – parecem desanimar os consumidores, que, após dois anos de restrições mais rigorosas no convívio social, planejam presentear os homenageados do próximo domingo. Ao menos é o que mostram estimativas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), segundo as quais o volume de vendas para a data neste ano deve somar R$ 7,28 bilhões.




 
O número em si já parece expressivo, mas é melhor quando visto em perspectiva. Em relação à mesma data de 2021, a alta estimada nos negócios é de 5,3%, aponta a entidade ligada ao comércio. Se a comparação for com 2020, o quadro impulsiona ainda mais o otimismo dos comerciantes: o crescimento da expectativa de negócios é de 15,7% em relação ao Dia dos Pais do primeiro ano da pandemia.
 
Já é muito, considerando que empresários amargaram nos dois últimos anos os desempenhos mais modestos desde 2016, nessa que é considerada a quarta melhor data para o comércio varejista brasileiro. Porém, as razões para comemorar são ainda maiores entre os lojistas quando se considera que as boas perspectivas de negócios ocorrem em um contexto em que o brasileiro anda declaradamente com a corda no pescoço.
 
Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da própria Confederação Nacional do Comércio, mostra que o comprometimento das contas dos brasileiros vem subindo de forma contínua nas duas faixas pesquisadas (entre rendimentos familiares maiores e menores que 10 salários mínimos), e atingiu no mês passado nada menos que 78% dos lares, na média. Pior: 29% das famílias têm débitos atrasados, o maior percentual da série histórica, e mais de 10% já sabem que não terão como honrar seus compromissos.




 
Mas como explicar que mesmo com a inflação também alta – o acumulado em um ano do IPCA chegou a 10,07%, há 11 meses acima de dois dígitos – o endividado consumidor brasileiro movimente o otimismo dos empresários? Quem procura analisar é a própria Confederação Nacional do Comércio.
 
Para os técnicos da entidade, o primeiro fator é de certa forma óbvio: com o controle dos termômetros da pandemia, brasileiros voltaram às ruas – e às compras. Citando indicadores do Google, a CNC aponta que a circulação de consumidores em estabelecimentos de comércio em julho foi 1,7% maior que a registrada antes do início da crise sanitária. Índice que parece pequeno, mas é expressivo se comparado com as quedas nesta época do ano em 2020 (-35,9%) e em 2021 (-12,4%).
 
O segundo aspecto apontado como decisivo para a estimativa de crescimento nos negócios é “a recomposição da massa de rendimentos por meio da liberação de recursos extraordinários, tais como os saques nas contas do FGTS, antecipação de recursos do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS e, principalmente, ampliação do Auxílio Brasil, tanto em termos de beneficiários quanto do valor do benefício médio”. Para a entidade representativa do comércio, é esse dinheiro que tem sustentado o avanço das compras.




 
Ou seja, otimismo de compradores e vendedores parece apoiado no que os críticos do governo podem apontar como um “pacote de bondades” pré-eleitorais de vida curta, e que os defensores da atual gestão tendem a atribuir a algo como um conjunto de medidas de estímulo à economia e de benefícios sociais para fazer frente à crise deflagrada pela COVID-19.
 
De um ponto de vista ou de outro, o fato é que tais “medidas extraordinárias” não se sustentam a médio e longo prazos. A boa previsão de vendas para o Dia dos Pais precisa ser considerada dentro da perspectiva do futuro da economia no país. Há que se comemorar a conjuntura e o legítimo desejo de presentear, que faz mover as engrenagens econômicas. Mas, dadas as razões que justificam o momento, é de se questionar se os mecanismos terão sustentação para se manter girando da mesma forma até o Natal. Ou além.