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Disputa de forças

O "presidencialismo de coalizão" está a sugerir, de um lado, sua revisão; e de outro, a sua conversão em semipresidencialismo de fato e de direito


31/08/2022 04:00

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ


A Polícia Federal pediu autorização ao Supremo Tribunal Federal para indiciar Bolsonaro pelo crime de divulgar notícias falsas sobre a COVID-19 e desestimular o uso de máscaras. A rotineira troca de um presidente do Tribunal Superior Eleitoral se transformou em uma demonstração de força do STF e do TSE, sob ataque, com a presença de todos os poderes da República, quatro ex-presidentes, 22 governadores e representantes de 40 países.  

Presente, Bolsonaro teve de engolir em seco o discurso de Alexandre de Moraes, o novo titular do TSE, que presidirá as eleições e, igualmente importante, comanda o inquérito sobre as fake news na alçada do Supremo. Nele, a PF também solicitou o indiciamento de Bolsonaro por divulgar falsidades sobre a vulnerabilidade das urnas. Além de afirmar que é motivo de “orgulho nacional” o fato de o Brasil ser a única democracia no mundo que “apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia”, Moraes foi quase redundante ao condenar o discurso do ódio, e prometer que o TSE será “célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas, principalmente daquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais”. 

Nos planos de Bolsonaro, dia 7 de setembro será um dia glorioso de defesa da “liberdade” e uma oportunidade para que as hostes de seus apoiadores manifestem “pela última vez” seu repúdio a ministros do Supremo que atravessaram o caminho do presidente e apontaram o dever de o ocupante do cargo cumprir as disposições constitucionais. Bolsonaro, porém, já não terá tudo no dia da Independência. O presidente, de improviso, anunciou um desfile militar na praia de Copacabana. O primeiro revés ocorreu quando o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, disse que sua realização no local não estava autorizada e que a comemoração deveria ocorrer em seu lugar costumeiro, na Avenida Presidente Vargas. A cúpula militar também não concordava com o ato em Copacabana, onde as tropas serviriam de coreografia para uma ação de campanha. O Comando Militar do Leste decidiu então não fazer desfile nem em Copacabana nem em lugar nenhum, e comunicou isso ao prefeito do Rio. 

“Bolsonaro ficou de cara fechada na posse de Moraes e não bateu palmas para um discurso em defesa da democracia. Poderá dobrar a aposta, mas sob risco de acentuar sua fragilidade política. Os ataques feitos no 7 de setembro passado não lhe renderam mais votos nem melhoraram seu alto grau de rejeição, ao contrário. Em uma difícil batalha para reduzir a ainda confortável diferença que o separa do favorito, o ex-presidente Lula, o discurso do ódio ajuda pouco. Uma diferença pequena na contagem dos votos se adaptaria melhor a um “roteiro de golpe, culpando as urnas eletrônicas viciadas”. 

Segundo Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, o aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, abriu as portas para uma aliança com o ex-presidente Lula, caso ele seja eleito, e disse que ambos terão que conviver até a eleição do novo presidente da Casa, que ocorrerá em 1º de fevereiro, junto com a posse dos novos deputados. “O presidente Lula tem vasta experiência política. Sabe todos os acertos que já fez, todos os erros que o partido dele já cometeu. Sabe que ele já enfrentou a Câmara e ganhou, sabe que já enfrentou e perdeu, e sabe as consequências disso”, afirmou Lira. 

Um acordo “é perigoso” antes da eleição, precisa ser eleito para mais um mandato de deputado federal antes de tentar a recondução para a presidência da Câmara. Lira criticou a postura de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas e ressaltou que a presença de muitas autoridades na posse do ministro Alexandre Moraes na presidência do TSE representa uma confraternização das instituições de todas as vertentes. “O evento no TSE foi muito prestigiado. Foi demonstração da classe política de que era um ato de confraternização institucional de todas as tendências”.  

Para Lira, Bolsonaro erra ao fazer ataques às urnas e ao sistema eleitoral. “A gente tem que respeitar o resultado das urnas. Não me canso de dizer, digo em todo canto, precisamos ter eleições transparentes, sim, mas o resultado das urnas deve ser respeitado. Já disputei oito eleições, não tenho por que falar mal do sistema.” 

O Centrão está gastando a rodo e mostra o seu pragmatismo. Bolsonaro fora do poder é como peixe fora d'água, não passará de um “reclamão”, como Collor de Melo, se tanto. O “presidencialismo de coalizão” está a sugerir, de um lado, sua revisão; e de outro, a sua conversão em semipresidencialismo de fato e de direito. A recente apropriação de verbas pelo Parlamento é de um realismo político fantástico. É preciso estudar os regimes de governo de Portugal e França, praticantes do semipresidencialismo, implicando eventuais dissoluções do Parlamento e convocações de eleições para a formação de novos governos. Teremos o final desse tal de orçamento secreto e das emendas do relator, tão maléficas ao funcionamento de nossas instituições. 


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