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Estado de Minas editorial

O agro avança, a água recua

Não é preciso ser especialista para intuir que é impossível equacionar a multiplicação de lavouras e pastagens associada à redução nos recursos hídricos


02/09/2022 04:00




Ao mesmo tempo em que governo brasileiro e produtores rurais fazem projeções otimistas para a safra 2022/2023 – a soja, por exemplo, tem perspectiva de recorde na produção, com estimativa de 150,36 milhões de toneladas e aumento de 3,54% na área cultivada, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) –, uma equação não fecha no país do agronegócio. Parafraseando a constatação de um dos presidentes da ditadura militar ao avaliar o contraste de então entre os bons indicadores da economia e a má situação da população, no cenário atual a agropecuária vai bem, mas a terra e os biomas que a sustentam vão mal.

É o que aponta a iniciativa MapBiomas, formada por uma rede de universidades, startups de tecnologia e ONGs, ao lançar nova edição dos mapas anuais de cobertura e uso da terra do Brasil, feita a partir de imagens de satélite. Mapeando um período de 37 anos, os estudos demonstram que o espaço ocupado pela agropecuária aumentou no período de 21% para 31% do território nacional, com avanço de 228% das zonas de agricultura, representado pelo acréscimo de 43,6 milhões de hectares de cultivo.

Quando se considera o avanço das pastagens para gado de leite e de corte, o acréscimo em todo o país entre 1985 e 2021 foi de 42,2 milhões de hectares, o que representou avanço de 39% da área destinada à pecuária, aponta o MapBiomas. Vale destacar que, embora o avanço da agricultura tenha sido percentualmente muito mais significativo e os aumentos de territórios usados para plantio e para criação tenham sido parecidos em números absolutos, a área ocupada por rebanhos no país ainda é incomparavelmente maior: são 151 milhões de hectares (17,77% do território nacional), contra 62,7 milhões de hectares de plantio (7,4% do mapa do Brasil).

Observados desse ponto de vista, os números não parecem ruins. Afinal, o crescimento da população, não apenas no país, mas em nível planetário, justifica a necessidade de avanço da produção, e ele só ocorre com o aumento do cultivo e da criação de gado. De outro lado, mais lavouras e pastagens significam aumento das exportações, suporte para a balança comercial e incremento no Produto Interno Bruto.

O lado mais preocupante do estudo, no entanto, aparece no momento em que o MapBiomas verifica o resultado de todo o avanço do agronegócio – somado, claro, às demais atividades econômicas – sobre um elemento que é fundamental tanto para o plantio, quanto para a criação, sem contar a manutenção de todas as espécies, incluindo a humana: a água. Considerados apenas os últimos 30 anos, a constatação foi que a superfície de água no país recuou assustadores 17,1%. Não é preciso ser especialista para intuir que é impossível equacionar de forma sustentável a multiplicação das lavouras e das cabeças de gado, associada ao recuo na disponibilidade de recursos hídricos. A conta, é evidente, não fecha.

O encolhimento da superfície alagada e o avanço da agropecuária coincidem ainda com a constatação de que o Brasil perdeu 13,1% de vegetação nativa, entre florestas, savanas e outras formações não florestais, apenas entre 1985 e o ano passado, segundo o estudo. Nessas menos de quatro décadas, apontam os dados, as alterações causadas pelas ações humanas correspondem a um terço de toda área modificada pelo homem ao longo de toda a história do país. Foi um tempo em que 23 estados perderam áreas naturais, enquanto apenas três se mantiveram estáveis e somente um, o Rio de Janeiro, teve recuperação.

Enquanto se observa no mapa o avanço nítido na degradação do Sul em direção ao Norte ao longo das décadas, um alento do estudo do MapBiomas vem da constatação de que o país ainda conserva 66% de cobertura vegetal nativa. Ainda que 37 anos atrás essa cobertura fosse de 76%, os dados mostram que há muito a se preservar, e que é urgente avaliar como a ocupação e uso do solo avançou nos últimos anos para fazer frente ao desafio urgente de compatibilizar o avanço da produção, que é necessário, com a conservação de biomas, que já não é apenas indispensável – é questão de sobrevivência.


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