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As culturas inglesa e francesa

É de se esperar que a rotatividade dos governantes e legisladores somente faça sentido se for para trazer dignidade, saúde e educação para os governados


05/10/2022 04:00

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ


A França católica e o Reino Unido (UK) anglicano (religiões predominantes) devem ser estudadas nos últimos 400 anos ou desde o século 17, pois aí encontraremos, junto com a pioneira proclamação da República americana, todos os direitos e virtudes da democracia, bem como de suas vicissitudes.

A França decapitou a nobreza e a Grã-Bretanha a manteve (o rei ou rainha reinam, mas não governam). Ambas são parlamentaristas, com partidos definidos e representativos da diversidade de pensamento e de opiniões das respectivas sociedades. A República Francesa é, digamos, semipresidencialista, e o Reino Unido é exclusivamente parlamentarista, sem interferência dos nobres, asilados na Câmara dos Lordes. E, por isso, se diz que o Reino Unido é a pérfida Albion, como a chamavam os romanos, que lá estiveram e dela saíram por vontade própria.

O raciocínio de Roma era de que ilhada, não teria chances no continente, o que realmente se deu na história do Ocidente, mas que desenvolveriam refinadas instituições até então inexistentes, salvo em Roma. Onde é permitida toda fala, até mesmo barbaridades? No Hyde Park, em Londres.

Cabe aqui uma referência ao federalismo americano e ao regime presidencialista por tempo certo e eleições. A ditadura, algo impensável para os americanos, se instalaria facilmente sem a rotatividade dos governantes.

O papel fundante da democracia é mesmo dos EUA, anteriores à Revolução Francesa e ao “domínio” do Reino Unido. Não só fundaram a democracia como o presidencialismo, a federação de estados, limitados pela Constituição, com um governo central que deu aos Estados autonomia suficiente ao autogoverno. No mais, a própria Inglaterra sofreu na pele a guerra da independência americana no século “setecentos”, para saber em que, sem rei algum, nascia na América a maior e contínua democracia do mundo, claramente antipapista e antimonárquica.

A própria França republicana teve insurgências da nobreza e dos reis da Europa e se valeu da República dos Estados Unidos da América, formada pela adesão dos Estados-membros, a consentir na Federação dentro da União, por isso federal. E por isso foram à Guerra da Secessão, quando o Norte industrializado foi contra o Sul rebelde e escravagista.

Com 320 milhões de habitantes, os EUA – em que pese certo colonialismo – exibem hoje uma sociedade feita de imigrantes da Europa inteira, que para lá foram em busca de oportunidades ou fugindo da opressão dos reis, notadamente de Gales, da Irlanda, da Escócia e da própria Inglaterra.

Sua única chaga, incisivamente no Sul escravagista é, ainda hoje, o racismo, por sinal inexistente no Reino Unido, uma ironia da história.
A pompa dos reis lá não existe. Souberam os fundadores da nação e o seu povo como que inventar o sábio bipartidarismo. Antes eram os federalistas e os unionistas, hoje republicanos e democratas...

Essa choldra de partidos de aluguel foi evitada, o que nos mostra, a nós, a segunda democracia das Américas, o quanto temos que evoluir para não cair na tentação das ditaduras e nos “cesarismos” (seja de Trump e de quem mais for). Por isso mesmo, o “senatus” romano matou Júlio César.

Ao cabo, estamos a reiniciar mais uma vez a caminhada da democracia na modernidade. É de se esperar que a rotatividade dos governantes e legisladores somente faça sentido se for para trazer dignidade, saúde e educação para os governados, daí as eleições livres e periódicas, como pioneiramente os Estados Unidos nos mostraram.

O Estado de direito é uma conquista irreversível da nossa democracia. Ficou fora de moda a insidiosa campanha contra as urnas eletrônicas. É ou seria desculpa surrada de perdedor às custas do regime democrático.

O século 21 depois de Cristo nos faz lembrar que na religião e nos costumes somos herdeiros do mundo greco-romano e da tradição judaico-cristã. Mas somos igualmente herdeiros da pioneira democracia nascida na América do Norte, nos Estados Unidos, a mais duradoura da história dos povos que inundam Gaia ou, seja lá, o planeta Terra na imensidão do universo. 

Seja lá como for, temos que cuidar, cada povo, de seu ambiente, responsabilidade indelegável, seja das pessoas seja dos governos. Cuidar do meio ambiente e da democracia!

As eleições gerais como que se fixaram na Presidência da República, menos nos governadores e menos ainda na composição dos Legislativos estaduais e federal. São os defeitos do federalismo e do presidencialismo brasileiros. De todo modo, o povo se manifestou e os “puristas” e “direitistas” saíram derrotados pela vontade popular.

Os golpistas de sempre não mobilizaram, não conseguiram o apoio da mídia e menos ainda dos quartéis.
Há o que comemorar! Mas a vigilância continua, dia após dia. A luta pela democracia será continua, por algum tempo, e, esperamos, para sempre. 


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