Jornal Estado de Minas

A criminalização das pesquisas eleitorais e o direito penal ideológico



Marcelo Aith
 
Advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em blanqueo de capitales pela Universidade de Salamanca, professor convidado da Escola Paulista de Direito, mestrando em direito penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP
 
 
A criminalização das pesquisas eleitorais deu um passo perigoso no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados aprovou na noite da última terça-feira (18/10), por 295 votos favoráveis e 120 votos contrários, o requerimento de urgência para o Projeto de Lei 96/11, que amplia multas a institutos de pesquisa e altera o conceito de pesquisa fraudulenta.





A principal discrepância da proposta consiste na pena prevista, que pode ser maior do que a aplicada em casos de homicídio, cuja pena mínima é de seis anos de reclusão. O projeto de lei estabelece pena de prisão de 4 a 10 anos a quem publicar, "nos 15 dias que antecedem as eleições, pesquisa eleitoral cujos números divergem além da margem de erro declarada, em relação aos resultados apurados nas urnas".

Um erro de pesquisa merece esse tipo punição severa? Há uma inequívoca desproporcionalidade entre o bem jurídico protegido no tipo penal e a pena proposta. Uma clara aplicação do direito penal ideológico. 

O novo texto, que está em consonância com a mobilização bolsonarista após o resultado do primeiro turno, parece fazer parte de uma estratégia política para desacreditar os institutos de pesquisa, utilizando argumentos que ignoram características de levantamentos eleitorais. A criminalização por um suposto erro é absolutamente inconstitucional.





Não era preciso urgência para votação desse tema. Certamente, temos outros projetos e medidas bem mais urgentes para solucionar problemas básicos do nosso país.

Vale ressaltar que a proposta parece não levar em conta que as pesquisas apontam tendências e a intenção de voto no momento em que pessoas aptas a votar são entrevistadas, sem a missão de antecipar o voto dado pelo eleitor. Além de ignorar a natureza das pesquisas eleitorais, que não é a de antecipar o resultado das urnas, o texto pressupõe que a intenção de votos não terá mudanças nos 15 dias anteriores ao pleito.

A premissa do projeto da maneira que está sendo votado, que é a de colocar em xeque as pesquisas eleitorais, está incorreta. Isso porque as pesquisas são instrumentos importantes para medir a temperatura daquele momento do público específico que está sendo questionado. Essa temperatura pode mudar em questão de dias e horas por diversos motivos. Não pode olvidar que sempre foi assim, na medida em que um debate ou uma fala de um candidato pode mudar totalmente (ou não) o retrato da pesquisa e os números nela apresentados.

Erros acontecem, principalmente em pleitos eleitorais acirrados como o deste ano para a Presidência da República. O que se deve investigar é se existem pesquisas fraudadas, "compradas" ou direcionadas. Nesse caso, sim, já existem leis penais possíveis para punir o chamado estelionato eleitoral.

Criminalizar o erro de pesquisa com essa severidade é grave e desproporcional. Ora, errar na pesquisa terá uma pena maior que matar alguém no Brasil. Terá um peso maior que o peculato, que a corrupção. Acredito que esse item da criminalização será retirado do projeto para avançar na sua tramitação.

E discutir esse tema é importante, mas talvez esse não seja o momento, pois parece não ser razoável pressionar os institutos neste momento de reta final do segundo turno das eleições.