Jornal Estado de Minas

editorial

Políticas sociais na berlinda



A Constituição de 1988  (artigo 227) determina que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".  A realidade brasileira indica que os sucessivos governos não conseguem, ou são indiferentes, ao que impõe a Carta Magna. 





Neste ano, quase 800 mil crianças e jovens estão fora da sala de aula – e esse quadro não deverá ser alterado no próximo ano. Os motivos são os mais variados, entre eles a dificuldade de aprendizado e a necessidade de trabalhar precocemente  para colaborar com as despesas da família. Essa é a  realidade de 1,7 milhão de crianças e adolescentes – entre cinco e 17 anos – que trocaram a escola por um emprego tanto no campo quanto nas cidades. Instituições voltadas ao público infantojuvenil preveem que esse contingente poderá chegar a 8,9 milhões. Os danos físicos e psicológicos do trabalho precoce são muitos. Destacam-se: fadiga excessiva, problemas respiratórios, doenças causadas por agrotóxicos, lesões e deformidades na coluna, alergias, distúrbios do sono, irritabilidade.

As crianças com desenvolvimento integral saudável durante os primeiros anos de vida têm maior facilidade de adaptação a diferentes ambientes ou para adquirir novos conhecimentos, o que contribui para se tornarem cidadãos responsáveis. O quadro atual indica que o país está na contramão do que preconiza a professora Monica Maria Vasconcelos, chefe do Departamento de Pediatria  da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. 

Os cortes feitos no Orçamento de 2023 sugerem que a situação será agravada. Os R$ 5,53 bilhões  destinados à alimentação escolar foram reduzidos em 97,5%. O gasto diário por aluno se manterá congelado – R$ 0,36 para crianças, e R$ 0,53 para os da pré-escola. O valor é insuficiente para meninos e meninas que têm a merenda como principal refeição do dia, principalmente aqueles que estão entre os 33,1 milhões de famintos. No geral, o orçamento da educação para 2023 ficou em R$ 147,4 bilhões para o próximo ano, valor inferior aos R$ 151,9 bilhões deste ano.





Na saúde, os cortes orçamentários afetarão crianças, jovens e adultos das camadas mais vulneráveis social e economicamente. O maior impacto será na farmácia popular. O orçamento estimado em R$ 2,04 bilhões caiu para R$ 842 milhões. Pacientes – crianças, jovens e adultos – com hipertensão, diabetes e outras comorbidades crônicas poderão enfrentar dificuldades de acesso aos medicamentos de uso contínuo.

Apesar de todos os problemas sociais causados pela pandemia de COVID-19, o governo reduziu drasticamente o orçamento do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Passou dos R$ 2,5 bilhões, em 2019, para R$ 205 milhões. A decisão levou o Conselho Nacional de Assistência Social a pedir socorro à Comissão Mista do Orçamento, por entender que uma das consequências do corte será a precarização na prestação de serviço e dos benefícios de prestação continuada.

Todas essas dificuldades, entre muitas outras no campo social, que envolvem crianças e adolescentes, compõem um gigantesco desafio para o próximo governo. Impõem-se ao governante formular e executar políticas públicas que eliminem a ideia de que, no Brasil, há sempre uma forma de tornar o ruim muito pior.