Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
O imposto sobre o valor adicionado a cada operação do elo de circulação de mercadorias e insumos é adotado na Comunidade Europeia das nações de forma massiva e, até certo ponto, tranquila. No Brasil, o ICMS, o IPI federal e o ISS municipal atingem a circulação e consumo de bens e o consumo (o poder de tributar aparece dividido pela CF/88 entre os três níveis de governança estatal).
Em seguida, tem-se que o ICMS é cobrado por estados nas operações internas e interestaduais e há diferença entre estados majoritariamente produtores de bens industrializados (SP) e outros que são mais consumidores (Piauí).
Cobrar só na origem não deu certo. O adequado era cobrar só no estado do destino, mas SP se opôs. Adotou-se então uma alíquota para as operações internas e outra reduzida para as interestaduais, para que o estado de destino cobrasse a diferença (Difal).
Joice Bacelo diz: “O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou para julgamento os processos sobre o diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS, que pode impactar fortemente o caixa das empresas do varejo”. As discussões serão retomadas no plenário virtual.
"O que está em discussão é a data de início dessas cobranças. Se poderiam ser feitas desde o início do ano, como querem os estados, ou somente em 2023, como defendem os contribuintes.
Essa diferença de tempo tem um custo alto. Segundo os estados, sem o Difal, haveria perda de R$ 9,8 bilhões na arrecadação deste ano de 2022.
O ministro Dias Toffoli apresentou pedido de vista, interrompendo as discussões no mês de setembro, depois que Moraes proferiu o seu voto e houve forte reação das empresas."
Alexandre de Moraes entende que os estados podem cobrar o imposto neste ano e não precisariam sequer cumprir o prazo de 90 dias da publicação da lei, a chamada "noventena". É de se perguntar como fica o princípio da não surpresa das contribuintes.
Se o voto do ministro prevalecer no julgamento, significa que os estados poderão exigir os pagamentos desde 4 de janeiro, data em que a Lei Complementar 190, que regulamentou o Difal, foi publicada no Diário Oficial da União.
Essa situação pode deixar muitas empresas em dívida. Advogados de contribuintes – a maioria do setor varejista – dizem que alguns, por precaução, decidiram depositar em juízo os valores. Mas outros não pagaram e, mais do que isso, reduziram o preço dos produtos aos consumidores finais, para não agravar a constante diminuição do poder de compra da população.
Agora, além de carregar o prejuízo das vendas em valor menor, correm o risco de autuações e ter que pagar o Difal desde janeiro, corrigido pela Selic e com multa de mora de 20%.
O diferencial de alíquotas é usado para dividir a arrecadação do comércio eletrônico entre o estado de origem da empresa e o do consumidor.
Essa cobrança vinha sendo realizada até o ano passado por meio de normas estaduais, com base na Emenda Constitucional 87, de 2015, mas foi contestada no Judiciário por grandes empresas do varejo. As companhias alegavam que essa emenda pressupõe a edição de lei complementar para os estados poderem fazer as cobranças. Estão certas sem dúvida!
Em 2021, os ministros do STF deram razão às empresas. Decidiram que os estados ficariam impedidos de cobrar o imposto a partir de 2022 se, até essa data, não fosse editada uma lei complementar federal. Certíssimo. Os consumidores agradecem a decisão do Supremo. Lei complementar da própria CF/88 exige quórum qualificado, não dos legisladores presentes, mas de metade mais um de todos os membros do Congresso Nacional.
Essa lei (LC 190, de 2022) foi aprovada pelo Congresso Nacional em 20 de dezembro de 2021, só que o presidente Jair Bolsonaro sancionou o texto apenas no mês de janeiro. Como o ano já tinha virado, instalou-se uma nova discussão: a cobrança pode ser feita neste ano ou somente em 2023?.
Empresas e tributaristas dizem que os estados deveriam respeitar o princípio da anterioridade anual e, sendo assim, o Difal só poderia ser cobrado em 2023.
Os estados, porém, entendem que podem fazer a cobrança imediata. Alegam não se tratar de aumento de imposto ou novo tributo. Assim, não haveria a necessidade de cumprir a anterioridade, o que significa surpreender os contribuintes.
Por isso, uma nova discussão sobre o mesmo tema, em tão pouco tempo, no Supremo. Os ministros julgam esse caso por meio de três ações diretas de inconstitucionalidade. Uma apresentada pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) –ADI 7.066 – e duas movidas por estados, Alagoas e Ceará (ADI 7.070 e ADI 7.078).
Vejam a importância do Supremo Tribunal em nossas vidas, o que não é levado em conta pelos consumidores de bens e serviços.