Jornal Estado de Minas

Para que serve a filosofia?


Marcelo Pereira Rodrigues
Filósofo, escritor e palestrante

No senso comum, geralmente ouvimos essa pergunta e, como sempre apraz a todo pensador, em mais de duas décadas de atuação profissional (sim, como filósofo) sinto-me em condições de responder a essa indagação. Regurgitei este questionamento durante grande parte da minha vida, mas antes é necessário esclarecer que a filosofia não servirá para alimentar um automóvel, pagar os boletos que vencem ao final do mês etc. Ironizo aqui a indagação sempre utilitária a que muitos dão as coisas, e sabedor de que este mingau está quente, como bom mineiro sugerirei tomá-lo pelas bordas.





Primeiramente, o que não é filosofia. Uma distinção é necessária, como no trecho de música de Humberto Gessinger: “É muito engraçado/Que estejam do mesmo lado/Os que querem iluminar/E os que querem iludir.” Assim, os que vendem ilusões são os pensadores ideólogos de partido, que emprestam os seus questionamentos à cartilha do partido que defendem. São os sofistas da época moderna. Os travestidos de religiosos que pastoreiam suas ovelhas se tornando vendilhões do templo. Os mal-intencionados que fazem uma miscelânea de crenças baratas, autoajuda e que não se preparam verdadeiramente, dedicando boas horas ao retiro do estudo. Se até os treinadores de futebol se arvoram a ter filosofia, e se o epíteto “filosofia de vida” é expresso não atentando para o real significado do que verdadeiramente significa, ou seja, estilo, é mister esclarecermos os pontos.

Nas palestras que tenho proferido Brasil afora, sinto-me à vontade para iluminar em detrimento a iludir. Em nenhum momento pretendo vender a minha filosofia. Privilegiado sou eu, bem acomodado nos ombros de gigantes: Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Sêneca, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Erasmo de Roterdã, René Descartes, Michel de Montaigne, John Locke, David Hume, Leibniz, Voltaire, Immanuel Kant, Hegel, Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche, Bertrand Russell, Wittgenstein, Martin Heidegger, Sartre, Camus e Zygmunt Bauman. Estudando e refletindo sobre esses clássicos, encontro respostas para a qualidade de vida, busca baseada na razão, no bom senso e no discernimento. 

Entre todas as profissões, lembram-se de que no primeiro período de suas formações acadêmicas apareciam sempre a disciplina filosofia? Serve para quê mesmo? Esse abandono da matéria, aulas matadas em favorecimento às disciplinas mais técnicas, por assim dizer, ocasionou este divórcio e, se você não assimilou preceitos elementares da disciplina, não saberá a distinção entre ética e moral; a necessidade de pensarmos com a nossa cabeça, de modo a não seguir o bando etc.  

Mas é com alegria que observo, nas palestras, profissionais bem formados questionando acerca dos cavalos alados na metáfora de Platão; sobre a essência e a existência em Sartre; sobre a educação e formação de seus filhos. Como a nossa qualidade de vida está inserida no meio (ninguém existe sozinho) sugerem-se palestras que busquem orientar as relações interpessoais, notadamente entre funcionários públicos, professores, psicólogos, médicos, juristas e demais associações de classes, de forma a refletirmos juntos sobre a diferenciação entre o público e o privado; a necessidade de equilíbrio entre vida pessoal, familiar e profissional e o diálogo tolerante e compreensivo com aquele que pensa diferentemente de nós, que torce para um outro time, frequenta uma outra religião e que votou em um candidato diferente do nosso. Convivência, tudo passa por aí. Vivamos uma vida mais para dentro. A viagem é sempre iluminada!