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Solução Robin Hood


01/12/2022 04:00

ilustração do artigo

Marco Antonio Vasquez Rodriguez
Advogado tributarista e sócio da VRL Advogados

A eleição de Lula para a Presidência imediatamente traz para a sociedade o debate sobre como o novo governo cumprirá suas promessas de campanha, ainda mais diante de um orçamento restrito. Não há fórmula mágica e as alternativas já são bem conhecidas do público: corte de gastos, aumento de impostos ou endividamento. Cortar gastos é uma tarefa hercúlea no Estado brasileiro. Endividamento não é uma política bem-vinda, frente à necessidade de uma política fiscal que não assuste os mercados, ainda mais para quem assume o governo com o fantasma da corrupção assombrando sua casa. Aumentar impostos em um país onde a carga tributária é de 33,90% do PIB, também não parece uma solução viável. Contudo, nesta última quinta-feira, 17/11, o relator-geral do orçamento de 2023, senador Marcelo Castro confirma que o futuro governo deverá cortar subsídios, fazer uma reforma tributária e taxar lucros e dividendos. 

A campanha do Presidente eleito afirmou que isentaria de imposto a renda os contribuintes que recebem até cinco mil reais. Como isso representa um caminhão de dinheiro em renúncia fiscal, esse dinheiro tem que ser compensado de outra forma. Apesar da promessa de campanha, o contribuinte não verá a isenção em 2023, pois conforme informação do senador eleito Wellington Dias (PT), coordenador responsável pela revisão do Orçamento Federal de 2023, a possível revisão da tabela do imposto de renda ocorrerá durante o mandato do novo Governo, sem especificar datas, já que a PEC de transição não contempla o tema. A equipe de transição está trabalhando em uma proposta que possa contemplar os gastos com programas sociais e que permita ao novo governo respirar. Mas a pergunta que não quer calar é de onde o novo Governo pretende buscar os recursos necessários. 

A proposta para a PEC da Transição, promete acomodar no Orçamento de 2023 o Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, serão 70 bilhões destinados para manter o benefício de R$ 600 no próximo ano e fazer valer a promessa do novo governo de destinar um bônus de R$ 150 para famílias com crianças de até 6 anos de idade, certamente este pacto com os mais vulneráveis, como a equipe de transição comenta, acarretará um grande impacto nas contas públicas. O coordenador da transição e Vice-Presidente eleito Geraldo Alckmin pondera o discurso que é necessário combater a fome e a pobreza e simultaneamente promover o crescimento do país, ainda que para tanto seja necessário furar o teto de gastos.  

É louvável que o novo Governo volte a atenção para os mais vulneráveis. No entanto, as políticas sociais devem estar acompanhadas de responsabilidade fiscal e os cofres do país estão vazios. 

Então, volta à pauta a instituição do imposto sobre grandes fortunas, que é tão antigo quanto a nossa jovem democracia, mas que nunca foi implementado de fato. Apesar de sua previsão constitucional desde 1988, até mesmo os governos anteriores do PT não instituíram o imposto. No entanto, as narrativas ganham força quando o orçamento está apertado para as necessidades básicas dos programas de Estado, como saúde e educação. Embora indigesto para menos de 1% da população do Brasil, que seriam de fato atingidos pela instituição do referido imposto, a sua instituição traria uma nova fonte de receita para o Governo Federal, então esse tema poderá vir para o debate nos próximos quatro anos e será, sem sombra de dúvidas, um duro jogo de queda de braço para o novo Governo no Congresso Nacional.  

Também impopular, em princípio, já é tido como certo o debate sobre a tributação dos lucros e dividendos. Todavia, neste caso, o novo Governo terá fortes argumentos para consolidar a tributação dos dividendos no Brasil, que é o único país além da Estônia que não os tributa. O fato do tributo ser cobrado no mundo todo, por si só, já seria argumento suficiente para sua cobrança no Brasil, mas o Governo eleito conta ainda com argumento mais forte para convencer o Congresso de maioria conservara: o próprio Presidente Bolsonaro pregou a tributação dos lucros e dividendos como fonte de recursos para fazer frente aos gastos públicos! O Ministro Paulo Guedes, inclusive, chegou a calcular uma receita em torno de 70 bilhões com a tributação, que nesse momento cobre os gastos com o Bolsa Família do novo Governo. 

Deixando de lado as questões políticas e fiscais, a tributação dos lucros e dividendos traz também um aspecto moral significativo, pois, os mais pobres pagam o imposto de renda sobre os salários, inclusive com retenção na fonte, enquanto os mais ricos estão isentos na distribuição dos lucros e dividendos, invertendo o conceito constitucional da capacidade contributiva. Isto porque, na lógica constitucional da tributação, deve contribuir mais quem tem mais rendimentos.  

Sempre existirá o argumento que o imposto já foi tributado na atividade da pessoa jurídica, de modo que os sócios e acionistas não receberiam a distribuição “isenta”, mas não estariam sujeitos a uma bitributação da riqueza “já tributada” na atividade empresarial. No entanto, o argumento se liquefaz na medida em que não se confunde a pessoa física com a pessoa jurídica, sendo que a base da tributação do imposto de renda é o acréscimo patrimonial, que neste caso é o daquele que recebe os lucros e os dividendos. 

Certamente estamos diante de uma solução à Robin Hood, personagem inglês do século 12, que tirava a fortuna dos ricos para beneficiar aos pobres. Em pleno século 21, o próximo governo, desprovido de arco e flecha, pensará seriamente em instituir de vez o imposto sobre grandes fortunas e tributar os lucros e dividendos, já que não abrirá mão da sua maior promessa de campanha: eliminar a pobreza e a fome!  


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