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Os fatos geradores dos tributos

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Sacha Calmon
Advogado, doutor em direito público (UFMG). Coordenador do curso de especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular das faculdades de direito da UFMG e da UFRJ. Ex-juiz federal e procurador-chefe da Procuradoria Fiscal de Minas Gerais. Presidente honorário da ABRADT e ex-presidente da ABDF no Rio de Janeiro. Autor do livro “Curso de direito tributário brasileiro” (Forense)

O constituinte de 1988, como de resto ocorreu com a Constituição de 1967, adotou, em sede doutrinária, a teoria jurídica dos tributos vinculados e não vinculados a uma atuação estatal para operar a resolução do problema da repartição das competências tributárias, utilizando-a com grande mestria.





Predica dita teoria que os fatos geradores dos tributos são vinculados ou não vinculados. O vínculo, no caso, dá-se em relação a uma atuação estatal. Os tributos vinculados a uma atuação estatal são as taxas e as contribuições; os não vinculados são os impostos.

Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e das contribuições necessariamente implica uma atuação do Estado. No caso das taxas, essa atuação corporifica ora um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma realização de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição (taxas de serviço). Na hipótese da contribuição de melhoria, a atuação estatal materializa-se através da realização de uma obra pública capaz de beneficiar ou valorizar o imóvel do contribuinte. Nas contribuições previdenciárias, é benefício à pessoa do contribuinte ou de seus dependentes.

O fato gerador, como é usual dizer, ou o fato jurígeno, como dizemos nós, ou, ainda, a hipótese de incidência, como diz Geraldo Ataliba, implica sempre, inarredavelmente, uma atuação estatal. Exatamente por isso as taxas e as contribuições de melhoria e previdenciárias apresentam hipóteses de incidência ou fatos jurígenos que são fatos do Estado, sob a forma de atuações em prol dos contribuintes.





Com os impostos as coisas se passam diferentemente, pois os seus fatos jurígenos, as suas hipóteses de incidência, são fatos necessariamente estranhos às atuações do Estado (lato sensu). São fatos ou atuações ou situações do contribuinte que servem de suporte para a incidência dos impostos, como, v.g., ter imóvel rural (ITR), transmitir bens imóveis ou direitos a eles relativos (ITBI), ter renda (IR), prestar serviços de qualquer natureza (ISQN), fazer circular mercadorias e certos serviços (ICMS). Em todos esses exemplos, o “fato gerador” dos impostos é constituído de situações que não implicam atuação estatal, daí o desvínculo do fato jurígeno a uma manifestação do Estado (CTN, arts. 16, 77, 78 e 81).

Ora, exatamente por ser assim ou, noutro giro, por ter adotado a teoria dos fatos geradores vinculados e não vinculados, pôde o constituinte operar a repartição das competências tributárias do modo como o fez. Aliás, é de gizar que o constituinte, no Capítulo I, que trata do sistema tributário, intitulou a Seção I como sendo a “Dos Princípios Gerais”. Não a chamou de discriminação de rendas tributárias nem de repartição de competências tributárias (o objeto da seção), preferindo referir-se aos princípios gerais, por saber que neles se inspirava para o manejo da questão. Assertiva fácil de provar, pois não tendo a Constituição expressado os conceitos de tributo e imposto e tendo apenas se referido às taxas e a contribuições de melhoria, com denúncia de seus respectivos fatos geradores genéricos, decerto inspirou-se nos conceitos do direito tributário vigente e subjacente e nas lições da doutrina justributária em voga.

Isso posto, os princípios gerais plasmados pelo constituinte trazem, por subsunção, os insumos da teoria dos tributos vinculados e não vinculados, como averbado linhas atrás.

Prosseguindo, adotando as técnicas da competência privativa e comum e ligando-as às inspirações da teoria dos fatos geradores vinculados e não vinculados, pôde o constituinte equacionar a repartição das competências entre as pessoas políticas, segregando as respectivas áreas econômicas de imposição, de modo a evitar conflitos de competências ou superposições competenciais em detrimento dos contribuintes e dos próprios entes tributantes.





No caso da competência comum, que comanda a instituição das taxas e das contribuições, a sua adoção pôde ser feita exatamente porque, sendo os fatos geradores desses tributos fatos do Estado, atuações dele, a competência tributária firma-se na esteira da competência político-administrativa dos entes tributantes. É dizer, a competência administrativa precede a tributária e a determina. Somente será competente para instituir e efetivamente cobrar uma taxa a pessoa política que, antes, detenha a competência político-administrativa para realizar o ato de polícia ou prestar o serviço público (taxas). Somente poderá cobrar contribuição de melhoria a pessoa política que tenha realizado a obra pública beneficiadora. Somente a pessoa política que concede o benefício pode cobrar contribuição previdenciária do contribuinte. Advirta-se, desde logo, porém, que o elemento pessoal da hipótese de incidência dos tributos vinculados a atuações estatais é relevantíssimo. É precisamente a pessoa do contribuinte que lhe confere consistência e singularidade, por ser o destinatário do afazer estatal. No caso dos impostos, será preciso anunciá-lo e atribuí-lo privativamente a cada pessoa política. É que nesse caso inexiste atuação estatal à guisa de fato gerador.