Maurício de Oliveira Campos Júnior
Advogado
Os ataques a edifícios públicos e símbolos da democracia brasileira não podem ser relativizados nem ficar impunes. As lideranças, financiadores ou simples massa de manobra inspirada por um confuso espírito cívico e revolucionário, histérico e fora de época devem ser punidos de modo firme e rápido, tanto pela privação de liberdade pelos crimes praticados, como pela indenização que afete os respectivos patrimônios e minimamente recomponha os prejuízos causados.
Como advogado, tenho sentimentos difíceis de explicar ao ser confrontado com a depredação do plenário do STF, meu ambiente de trabalho, onde compareci solene e respeitosamente tantas vezes sem jamais cogitar cena de tamanha barbárie. Talvez um misto de vergonha e luto.
A dimensão sagrada de espaços públicos, a simbologia dos palácios, onde estão instalados os poderes da República e repousa a memória nacional materializada por objetos de arte e documentos históricos, foram brutalmente vilipendiadas com violência física e moral.
Não por acaso, os ataques mais vis aos três Poderes voltaram-se contra móveis e obras de arte mediante caprichosa humilhação, pretendida com a ação de tomar assento nas cadeiras dos ministros, criadas pelo genial Zalszupin, e nas cadeiras dos presidentes das casas legislativas, ou urinar nelas e na tapeçaria de Burle Marx, ou danificar telas de Di Cavalcanti e esculturas de Bruno Giorgi, apenas para citar exemplos que, ao lado da destruição de relógio doado pela corte francesa para a família real portuguesa, constituíam patrimônio nacional ultrajado por um grupo de alucinados que, contraditoriamente, se autointitulava patriota.
Realmente, a violência física e moral praticada contra símbolos das instituições democráticas da República contou com criativa perversidade de seus profanadores.
A turba bolsonarista de rostos comuns e uniforme verde e amarelo foi se transformando dia após dia pelo persistente discurso de ódio exaltado por um covarde líder – hoje refugiado –, cuja agressividade, nos gestos e nas palavras, nunca vexou em indicar o modo de ser e agir contra instituições democráticas e seus representantes: desrespeito, palavrões, ironias, constrangimentos crescentes.
Receosos de martirizar seu principal líder, que sempre buscava pretexto para justificar ruptura tantas vezes anunciada, convivemos com esse estado de coisas anormal tempo demais, esperançosos de que a democracia se impusesse ao arbítrio.
Lamentavelmente, a conivência oficial de agentes públicos populistas, ou simplesmente oportunistas, permitiu a instalação de acampamentos antidemocráticos que, aos poucos, foram reunindo tipos merecedores de estudos de toda ordem. Solitários, fanáticos, idosos carentes, transtornados mentais e outros tipos inusitados encontraram voz e relevância social naquele espaço, transmitindo o dia a dia “sacrificante” e “patriótico”, quase “heroico”, em suas redes sociais e angariando seguidores que os elevaram a um grau de importância jamais experimentado em suas vidas.
Pessoas que até então não eram levadas a sério passaram a acreditar que eram agentes de transformação social, assumindo uma cartilha que, aos poucos, descambava para a aposta no caos e na violência como forma de resolução de conflitos e frustrações.
A face explícita da liderança antidemocrática tornou-se omissão consciente como forma de contribuição para o iminente caos, ao mesmo tempo em que se multiplicavam novos líderes entre os liderados, organizando o movimento que, agora, tentava fabricar o golpe pela convulsão em busca de Garantia da Lei e da Ordem pelas Forças Armadas.
Pois bem, se era necessário unir, reorganizar e reconstruir o país depois de quatro anos de enorme corrosão da saúde, meio ambiente, educação, cultura, política internacional e relações entre instituições democráticas, nenhuma outra imagem desse recomeço teria sido tão concreta quanto a destruição materializada pelos atos violentos do dia 8 de janeiro contra os três Poderes da República, contra a democracia, contra a memória, a história e os símbolos nacionais.
Que a consequência legal alcance adequadamente todos os autores dos crimes que fizeram terra arrasada da Praça dos Três Poderes e que o choque de realidade pela prisão em estabelecimentos que jamais pensaram conhecer um dia possa finalmente despertá-los de seu transe.