Emanuel Pessoa
Mestre em Direito pela Harvard Law School, Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo, Certificado em Negócios de Inovação pela Stanford Graduate School of Business, além de ser Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará
Como sabido, o imbróglio da Americanas está relacionado ao lançamento à conta de fornecedores das dívidas referentes ao risco sacado. Embora não haja uma obrigatoriedade jurídica de se lançarem esses valores como débitos financeiros, essa é a legítima expectativa do mercado, sendo o enquadramento econômico indicado até mesmo pela CVM no Ofício Circular CVM/SNC/SEP 01/16.
Entretanto, se à primeira vista chamou a atenção o fato de Sérgio Rial ter detectado um problema de anos em apenas nove dias, agora, com mais tempo, emerge a pergunta: Rial sabia?.
A questão é deveras importante, considerando que ele é chairman do Board do Santander. Embora não se possa afirmar categoricamente que o Santander financiava operações de risco sacado da Americanas, é sabido que a empresa deve à instituição financeira mais de R$ 3,5 bilhões. O que é altamente improvável é que um dos maiores bancos privados do país não tivesse um naco dessas transações.
Assim sendo, Rial já sabia, antes de assumir a Americanas, das questões do risco sacado da empresa? Foi por isso que ele trouxe o problema ao mercado tão rapidamente ou ele apenas foi diligente?
Após deixar de ser CEO da Americanas, Rial seguiu como uma espécie de assessor de Jorge Paulo Lemman, Beto Sicupira e Marcel Telles, três dos acionistas de referência da empresa, mas não deixou a posição de chairman no Conselho do Santander. Ainda que recentemente a CVM tenha mudado seu entendimento para que o conflito de interesses deva ser reputado substancialmente para produzir efeitos – o que permite acionistas e administradores votarem de boa-fé desde que não se beneficiem do voto, superando o entendimento anterior de que o conflito era puramente formal –, bastaria ser possível o conflito para ele estar presente. Fato é que qualquer decisão no melhor interesse do Santander é reaver seu crédito da Americanas, ao passo que o interesse evidente da Americanas seria obter o máximo de desconto e de prazo possível.
Aliás, o interesse da companhia ficou ainda mais evidente com a tutela que obteve na Justiça para obstar o bloqueio de suas contas pelos credores pelo prazo de 30 dias. Portanto, considerando que o conflito de interesses entre as empresas é evidente, Rial tem a obrigação de se abster de qualquer decisão do Santander a respeito da Americanas. Ocorre que, com um crédito tão elevado – esse é um tema de relevância fundamental para o banco –, impactando decisões do mesmo em diversas áreas, seria melhor que Rial renunciasse à sua posição no Conselho.
A rigor, uma boa prática de governança corporativa demandaria que Rial tivesse renunciado ao Conselho desde o momento em que aceitou ser CEO da Americanas, já que seria altamente improvável que não conhecesse a posição de devedora frente ao banco. Até o momento, nem a administração nem os acionistas de referência do Santander se posicionaram sobre o potencial conflito de interesses de Rial, mas é bom que o façam logo, antes que o mercado se atente para esse fato.