Maria Inês Vasconcelos
Advogada constitucionalista, pesquisadora e palestrante
história se repete, a primeira vez como farsa. A segunda como tragédia. A força do movimento político do feminismo é simplesmente uma das energias mais importantes dissipadas dentro do Estado democrático de direito, essencialmente plural e inclusivo. A agenda feminista é abrangente, desloca-se desde a efetivação de direitos fundamentais, sociais, como está umbilicalmente ligado ao direito do trabalho. Não há um só ramo do direito que não tenha coligações com o feminismo. Existe até uma corrente que defende um sistema denominado Constitucionalismo Feminista, exigente de um certo ativismo no Supremo Tribunal Federal que comporta discussões.
Há homens feministas. Nem todo homem é agressor ou assediador. Nem todo homem discrimina, diminui ou exclui. Há homens que saltam junto com as mulheres. De acordo com o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o Estado democrático de direito é “caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas de direito, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”, e continua afirmando que o princípio democrático “exprime fundamentadamente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular”.
O direito, sem sombra de dúvida, segue pavimentando uma história para a mulher na sociedade brasileira. A questão clássica da violência é tratada com enorme seriedade nos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Contudo, não podemos nos eternizar na efervescência de movimentos midiáticos ou de slogans, como o largamente difundido “lugar de mulher é onde ela quiser”.
Quando nos deparamos com algum slogan que garante uma posição de conforto e pouca ação, enfraquecemos. Mulher nenhuma está onde quer. Somente atos em direção à igualdade de gênero nos elevam. Só assim protagonizamos nossa história, o Estado democrático de direito.
A democracia em si não nos garante nada, a não ser a possibilidade de praticá-la. É por isso que o feminismo vitalista, lamuriento, que segue insistindo no machismo, não é nada mais do que uma metáfora. O feminismo não é um movimento em desfavor do sexo oposto, ao contrário, é uma união de forças em busca de um ajuste em sistemas disfuncionais. Não é ataque, é defesa. É preciso sublinhar essa posição. A imagem ficcional do homem como agressor ou abusador é maniqueísta, são peculiaridades dissociadas do fato social.
Esse feminismo que busca permanecer apenas desejando transformar as relações sociais que limitam os direitos e impedem o reconhecimento da identidade da mulher, apenas com foco na ideologia, sem ações consistentes, não leva a nada: a não ser a própria chatice do feminismo “carteirinha”.
Uma mulher verdadeiramente feminista está voltada para experiências intersubjetas, práticas consistentes e efetivas, e demarcação de espaços. A ambiguidade das posições acrílicas do feminismo é, na realidade, uma força oposta.
Nem toda mulher é oprimida ou vítima, e nunca se pode afirmar que todo homem é agressor e abusador. Esforçamo-nos em utilizar essa visão agudizada, porque o feminismo radical é desmentido pelo próprio fato social: há espaços de grande interferência social ocupado pelas mulheres, exercendo um protagonismo real, e firmam-se como mulheres econômica e socialmente ativas no Brasil. A presidente do Supremo Tribunal Federal é uma mulher. Espera-se do feminismo uma visão mais alinhada com a realidade, que cumpra sua missão: perfilar a mulher nos espaços onde ela pode ser tratada com igualdade.
A envergadura de qualquer democracia fica comprometida pelo descuido com a mulher e o impedimento da cidadania. Isso nos torna uma democracia hipotética. Uma experiência apenas ideológica e mental. O Brasil não trata a mulher com descuido. Há avanços. Há políticas e ações públicas que superam outros países. Grandes potências mundiais não têm uma Lei Maria da Penha e engatinham na legalização de civis rights para mulheres. Muito embora outros estejam avançando.
Países católicos como Portugal, pelo contrário, legalizaram o aborto e oferecem à mulher autonomia de interromper uma gravidez, além de estar muito atentos à violência de gênero no trabalho. A Argentina avançou tremendamente na questão do aborto, outros retroagiram ou tamponaram. Angola tem uma mulher presidente do Congresso e um feminismo consistente.
A Inglaterra sempre atuou sonoramente na ruptura da eterna e clássica divisão sexual do trabalho. De lá derivaram grandes histórias. O 1º de março é resultado dos esforços das americanas e terra de Bell Hooks. A França de Simone de Beauvoir e a Nigéria de Chimamanda Ngozi Adichie. Nenhuma delas adota vitimismo. São proativas.