Jornal Estado de Minas

ARTIGO

Felicidade no trabalho: o bem-estar pede nova lógica


Rodrigo de Aquino
Comunicólogo e especialista em bem-estar

Muitos profissionais e organizações do setor público e privado estão alinhados com a Agenda 2030 da ONU e com a promoção de felicidade e bem-estar. Acontece que, infelizmente, a maioria das empresas e gestores ainda atuam com base em paradigmas antigos, na contramão das necessidades básicas para a criação de um ambiente de trabalho digno para todos.





Faz sentido, por exemplo, homens brancos desenvolverem programas de combate ao machismo ou gerenciarem projetos de inclusão de negros e indígenas na liderança das empresas? A alta liderança das empresas está, de fato, preparada para falar sobre ESG ou apenas criando práticas de greenwashing ou happy-washing?

Supostamente em nome do bem-estar do colaborador, há empresas que bloqueiam os sistemas ao fim do turno, para que não haja (oficialmente) longas jornadas de trabalho. Essas empresas, porém, não flexibilizam os prazos de entrega dos relatórios. O que era para ser uma boa prática de gestão se transforma em pessoas trabalhando em condições ainda mais inadequadas.

Ainda nesse quesito, muitos profissionais vivem 7 dias da semana em 5, extrapolando a carga horária combinada. A nova tendência é encurtar a semana para 4 dias, mas para que essa ação seja positiva é preciso mudar a lógica dos líderes e das políticas de gestão de pessoas.

Workshops de mindfulness, salas de descompressão ou short friday ajudam, mas muitas vezes servem como analgésicos e não dissolvem os problemas reais gerados pela toxicidade corporativa que impacta empregadores e empregados, assim como clientes e fornecedores. Alguns estudos apontam que “dinheiro não traz felicidade” e que ambientes descontraídos ajudam na produtividade. A combinação equivocada destes dados somados ao conceito de “salário emocional” pode entorpecer e silenciar equipes, colaborando com a perda de talentos – vide o movimento Great Resignation, de uma onda de demissões em vários lugares do mundo.





Essa reflexão surge a partir de uma frase de Bertrand Russel, Nobel de Literatura de 1950, que diz: “A moralidade do trabalho é a moralidade de escravos, e o mundo moderno não precisa da escravidão”. Pense fora da bolha! A lógica que rege boa parte dos contratos de trabalho ainda é baseada em paradigmas patriarcais, onde os abusos de todos os tipos são naturalizados. Entendo que rever tudo isso parece utopia. Mas, por que ainda somos condescendentes com as distopias que orquestram nosso dia a dia?

No mundo contemporâneo não cabe mais nenhum tipo de abuso e as primeiras décadas do século 21 serão decisivas para a criação de uma sociedade mais sustentável, com modelos de trabalhos mais humanos. A questão não é como sobreviver, e sim como bem viver!

Felicidade é verbo. Por isso, além de ter “selos de boas práticas”, estar alinhado com os compromissos da Agenda 2030 ou dizer ao mercado que a empresa tem o índice ESG como driver da cultura, é preciso ter relações sustentáveis e ações afirmativas com todos os stakeholders. O papel aceita tudo e o que precisamos agora é de ação.

Se felicidade envolve emoções e relações positivas, propósito e virtuosidade, precisamos deixar de lado eufemismos e encarar de frente modelos antiquados que impedem o florescimento de empresas, escolas, cidades, países e, principalmente, das pessoas que formam esses espaços. Acredito que a felicidade no trabalho, composta por inúmeras camadas, é possível. Para que isso aconteça, é preciso coragem para rever processos, privilégios e conceitos. Essa transformação não acontecerá do dia para a noite, mas ela precisa ser feita!

O bem-estar e a saúde mental que todos anseiam no ambiente de trabalho pede mais humanidade e conexões virtuosas. Só assim veremos florescer um mundo mais próspero e viável, para nós e para as próximas gerações.