Sacha Calmon
Advogado, doutor em direito público (UFMG). Coordenador do curso de especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular das faculdades de direito da UFMG e da UFRJ. Ex-juiz federal e procurador-chefe da Procuradoria Fiscal de Minas Gerais. Presidente honorário da ABRADT e ex-presidente da ABDF no Rio de Janeiro. Autor do livro “Curso de direito tributário brasileiro” (Forense)
O regulamento (Decreto nº 50.485, de 25/4/1961) dispôs em seu art. 6 que "o desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas com aplicação do drawback será autorizado com suspensão do recolhimento dos tributos devidos". Estava "criado pela norma infralegal o drawback-suspensão, distante de toda a terminologia internacionalmente adotada, nascendo ainda a expressa determinação de vinculação física, no texto do art. 18: "nenhuma mercadoria objeto de 'drawback' poderá ser utilizada fora da finalidade prevista sem o prévio recolhimento dos tributos devidos".
Três anos depois, estava revogado o decreto regulamentar pelo Decreto nº 53.967. de 16/6/1964, que em seu art. 3º deu ao drawback a configuração tripartida (suspensão, isenção e restituição) que persiste até os dias atuais, mantendo-se a necessidade de que as mercadorias importadas não fossem desviadas das finalidades para as quais foram admitidas no regime (art. 8°). E nada mudou substancialmente até hoje.
Depois de décadas de disciplina infralegal, o Decreto-Lei nº 37, de 18/11/1966, em seu art. 78, incisos I a III, passa a dispor (sem utilizar a expressão drawback) sobre a restituição, total ou parcial, dos tributos que haja incidido sobre a importação de mercadoria exportada após beneficiamento, ou utilizada na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada.
O Decreto nº 68.904, de 12/7/1971, entretanto, afirma em sua ementa estar regulamentando "o instituto do drawback previsto no art. 78 do Decreto-Lei nº 37, de 18/11/1966 reiterando a linha tripartida (suspensão, isenção e restituição), sendo tal postura mantida pelos Regulamentos Aduaneiros de 1985 (aprovado pelo Decreto nº 91.030. de 05/03/1985, art. 314), de 2002 (Decreto nº 4.543, de 26/12/2002, art. 335) e de 2009 (Decreto nº 6.759, de 05/02/2009, art. 383).
A regulamentação do art. 78 da Lei Aduaneira denomina as três modalidades ali previstas como drawback, e deve-se entender que o drawback corresponde tão somente à "restituição, total ou parcial, dos tributos que haja incidido sobre a importação de mercadoria exportada após beneficiamento, ou utilizada na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada" (inciso I do art. 78), caracterizando-se as modalidades previstas nos incisos l e lll do artigo, respectivamente, como beneficiamento ativo e reposição de estoques. Contudo, preferimos a designação aperfeiçoamento ativo, que veio a se consagrar depois.
Temos, assim, que a) o drawback-isenção constitui, como o próprio nome sugere, uma hipótese de isenção (conhecida como reposição de estoques) como tantas outras decorrentes de lei ou acordo internacional, compiladas no art. 138 do atual Regulamento Aduaneiro; b) o drawback-restituição, ou simplesmente drawback – nome pelo qual é conhecido no restante do mundo –, é uma hipótese de restituição que busca incentivar as exportações; e c) o drawback-suspensão (único que constitui propriamente um regime aduaneiro).
Repare-se que a inadequação terminológica não macula a aplicação de nenhuma das três modalidades de drawback no Brasil, pois todas possuem supedâneo legal. Mas a confusão infralegal acabou por contaminar leis, como as de nº 8.402/1992 (art. 3° § 2º), nº 11.945/2009 (arts. 13 e 14) e no 12.350/2010 (que passou a ter um Capítulo intitulado "Do Drawback”, arts. 31 a 33, que nada trata sobre restituição), deixando o Brasil cada vez mais distante daquilo que o restante do mundo denomina "drawback".
As primeiras regulamentações do "drawback” brasileiro (em suas três modalidades), veiculadas pelos Decretos nº 50.485/1951 e nº 53.967/1964, já estabeleciam expressamente a necessidade de vinculação das mercadorias as finalidades para as quais foram admitidas no regime. E as finalidades eram as mesmas, em ambos os decretos (art. 2º): utilização direta na fabricação de mercadorias destinadas à exportação; complementação de aparelhos, máquinas, veículos ou equipamentos destinados à exportação, embalagem, acondicionamento ou apresentação de produtos a serem exportados: beneficiamento no país e posterior exportação; e reparação, recondicionamento ou reconstrução de máquinas, equipamentos, embarcações e aeronaves admitidos no país temporariamente quando consignados a estaleiros ou oficinas de reparo e manutenção.
Veja-se que a ampliação permitiu, por exemplo, a importação de farelo de milho para alimentar pintos que, depois de adultos, seriam exportados. Impossível estabelecer-se vinculação física neste caso. Por óbvio, no momento da exportação, não acompanhará o frango todo o farelo por ele comido durante a criação.