Jornal Estado de Minas

EDITORIAL

Lei Áurea e a questão racial



Completaram-se ontem os 135 anos da Lei Áurea. Há muito, infelizmente, a data deixou de significar um marco social na história brasileira. Entre estudiosos – e por que não dizer, no senso comum igualmente –, tornou-se interpretação corrente de que o ato assinado pela princesa Isabel pouco contribuiu para interromper os efeitos do regime servil que durante mais de três séculos vigorou tanto no Brasil Colônia quanto após a chamada Independência de 1822. Formalmente, a Lei Áurea decretava que não havia mais escravos no Brasil. A realidade, porém, é que milhões de brasileiros e africanos explorados de forma constante e muitas vezes cruel passariam a integrar, a partir de 1888, um grupo social profundamente marcado pela exclusão e pela desigualdade.





Não se pode analisar a sociedade brasileira sem considerar os efeitos do regime escravagista. A Lei Áurea pode ser vista como um dos últimos suspiros do Império, que não tinha mais como se sustentar lastreado em um modelo econômico arcaico, fortemente abalado pelas transformações crescentes suscitadas com o avanço da Revolução Industrial. A partir de 1888, o Brasil carregaria pelos séculos seguintes a mácula da desigualdade social, não mais por força de lei, mas por consequência histórica.

Os efeitos mais evidentes da escravidão perpetuada no Brasil podem ser observados em dois indicadores: acesso à educação e mercado de trabalho. Em relação ao primeiro item, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, 71,7% dos jovens fora da escola são negros. Em compensação, 27,3% destes são brancos. Ainda segundo o IBGE, 3,6% das pessoas brancas de 15 anos ou mais eram analfabetas. Na população negra, o analfabetismo chegava a 8,9%. Ressalte-se que essa fotografia é anterior à pandemia de COVID-19, que deteriorou massivamente os índices educacionais do Brasil.

Quanto ao mercado de trabalho, a situação também é desalentadora. Novamente segundo o IBGE, em 2021, o desemprego atingiu 11,3% da população branca. Já entre negros e pardos, a taxa de desocupação chegou a 16,5% e 16,2%, respectivamente. Quanto ao rendimento médio, os trabalhadores brancos estavam em um patamar muito acima – no valor de R$ 3.099 – do que os pretos (R$ 1.764) e pardos (R$ 1.814). Eis a herança que a Lei Áurea nem de longe conseguiu dissipar da realidade brasileira.

Por essa razão, e por muitos anos, a anunciada abolição da escravatura de 1888 merece uma reflexão sobre o futuro do país. Não pode haver um Brasil desenvolvido e mais justo sem o governo e a sociedade se engajarem em um esforço coletivo para reduzir o fosso que separa brasileiros por causa da cor da pele. Não menos importante, essa mobilização deve combater, de forma vigorosa e permanente, o racismo. Na terceira década do século 21, o Brasil ainda luta para superar essa chaga secular.