“Vamos votar, vamos votar”, dizia o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), na presidência da Constituinte, mantra sem o qual a nova Carta Magna não teria sido promulgada em 1988, ficaria para o ano seguinte, no mínimo. É o que se espera, agora, do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em relação ao projeto de novo arcabouço fiscal, cujo relatório foi apresentado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA) na terça-feira passada. O projeto está na pauta da Câmara da próxima quarta-feira, em regime de urgência.
A propósito, a aprovação do pedido de urgência para essa votação por ampla maioria – foram 367 votos a favor contra 102 – demonstra que a matéria está madura para apreciação. Em toda casa legislativa, a negociação é permanente, nunca se esgota, mas agora deve ocorrer durante o processo de votação. O parlamento não é uma ilha no deserto, a sociedade aguarda que o Congresso cumpra com seu dever e estabeleça as novas regras do jogo a serem seguidas pelo governo Lula na gestão do orçamento. Quanto mais cedo isso ocorrer, melhor será o desempenho da economia neste ano.
Mais de 40 emendas foram apresentadas ao projeto até a quinta-feira, o que não é pouca coisa. Mas houve um pacto entre os partidos da base do governo e os aliados do Centrão para aprovação do projeto, cujo preço foi a adoção de regras fiscais mais rígidas do que as da proposta original do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cuja atuação nas negociações com líderes da Câmara foi impecável.
Este é um daqueles momentos em que o centro se articula à esquerda e à direita e os extremos se unem, como aconteceu com o Novo e o Psol, que votaram contra a urgência, por razões diferentes, obviamente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o maior interessado na aprovação do novo arcabouço, porque a manutenção do teto de gastos implicaria num ajuste fiscal duríssimo, que jogaria sua popularidade no meio fio. Por isso, exigiu que a bancada do PT não apresentasse emendas ao projeto.
Entre os que votaram a favor da urgência não existe consenso pleno em relação ao mérito. Alguns parlamentares querem retomar a excepcionalização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), a principal fonte de financiamento do setor. O Fundeb foi inserido nas limitações de gastos. Atualmente, esses recursos estão fora do teto.
Cajado prefere manter o texto como está, mas vai levar a discussão ao colégio de líderes, na terça-feira. Pode ser que saia algum acordo que pacifique a divergência, uma vez que a proposta contrariou as bancadas de esquerda. Segundo o relator, a retirada do Fundeb das exceções não exclui a vinculação dos aumentos do fundo aos aumentos de transferências para estados e municípios.
Também há os que querem reincluir o piso da enfermagem nas excepcionalidades e retirar o programa Bolsa Família do corte de gastos acionado em caso de descumprimento das metas fiscais ou quando o governo ultrapassa um determinado patamar de despesas (os chamados gatilhos). Um racha no PT durante a votação do relatório poder ter consequências muito negativas para o governo, porque isso justificaria também a dissidência dos parlamentares do Centrão que gostariam de manter o teto de gastos como está.
Mantida pelo relator, a regra geral do arcabouço proposto pela equipe econômica do governo determina que as despesas não podem crescer acima de 70% do aumento da receita. E que os gastos podem oscilar entre uma banda de alta real (acima da inflação) de 0,6% a 2,5% ao ano. Entretanto, a determinação de que as despesas terão alta real de 2,5% em 2024, ou seja, no limite superior da banda, apresentada no relatório também está sendo contestada. Com a mudança no cálculo de correção pela inflação, que prevê a criação de um “crédito” para o ano seguinte, o espaço para despesas da União pode crescer em cerca de R$ 80 bilhões no próximo ano, segundo algumas avaliações do mercado financeiro. Cajado e Haddad discordam dessa projeção. São divergências que precisam ser resolvidas no voto.