Jornal Estado de Minas

Maternidade e carreira: uma corrida de obstáculos

Carine Roos
Especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão, fundadora e CEO da Newa

Não há como não falar de um dos maiores desafios que impedem a sociedade de ter equidade de gênero: o trabalho do cuidado que é imensamente desproporcional e que recai sob os ombros das mulheres. 



Um levantamento do Dieese mostra que a maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres: dos 75 milhões de lares, 50,8% (38,1 milhões de famílias) têm liderança feminina e,  deste total, 21,5 milhões de lares (56,5%) são comandados por mulheres negras.

Em termos de renda média do trabalho familiar, os domicílios de casais com e sem filhos receberam os maiores valores, R$ 4.987 e R$ 4.898, respectivamente. No caso de mãe solo, as famílias formadas por mulheres brancas com filhos têm renda de R$ 3.547; e por mulher negra com filhos, R$ 2.362. 

Depois do nascimento, as necessidades de maternagem são as mesmas para todas as mulheres. A diferença é que as de melhor nível econômico conseguem pagar para criar uma rede de apoio com a contratação de babás e empregadas domésticas; e as de menor nível socioeconômico, em sua grande maioria mulheres negras, têm um nível de cansaço e custo emocional muito mais elevado. Afinal, elas dependem de creches, ajuda de um vizinho e, não raro, de deixar os bebês aos cuidados dos filhos maiores, criando de maneira mais precária a sua rede com pouca chance de cuidar de si mesmo e sua ascensão profissional. Chamar as empresas, e principalmente, os homens para assumir essa responsabilidade é vital para a quebra das opressões de gênero e raça.



No mundo corporativo é uma corrida com enormes barreiras, lembrando que as mulheres negras começam em desvantagem muito maior por conta do racismo estrutural. A necessidade de aprovação acontece o tempo todo, incluindo no processo seletivo com perguntas constrangedoras (e algumas vezes eliminatórias). 

Essas barreiras ou o  “degrau quebrado” nada mais são do que uma série de empecilhos baseados em estereótipos e discriminação. Acredita-se que mulheres serão improdutivas ou não darão prioridade ao trabalho por conta do cuidado com os filhos, as impedindo de acessarem a primeira posição de gestão.

O degrau quebrado fica bastante evidente quando o RH analisa dados como a prevalência de homens e mulheres em cada nível da organização, geralmente retendo as mulheres nos níveis iniciais e favorecendo o avanço dos homens. A concessão de oportunidades de desenvolvimento, promoções e salários também costuma favorecer mais os homens. 



Se conseguiu pular este obstáculo e quer alcançar os postos de comando, a maratona se torna ainda mais desafiadora, pois as mulheres devem quebrar o teto de vidro (glass ceiling), entraves invisíveis criados para impedir que mesmo as profissionais mais competentes e talentosas sejam promovidas. 

Para ter alguma chance de vencer essa corrida, é imprescindível um maior equilíbrio das tarefas da casa e do cuidado, por meio de pais participativos e lideranças aliadas nesta causa. A maioria das mulheres estão exaustas com o peso do cuidado do qual são a maior parte do tempo responsáveis e com as microagressões encontradas no ambiente de trabalho. Por isso, é fundamental um compromisso afirmativo também por parte das empresas como a ampliação da licença parental, lideranças masculinas como exemplo e uma educação dos colaboradores sobre masculinidade e o papel do cuidado. 

Além disso, as empresas devem garantir o acesso às creches com vagas suficientes para atender a demanda com qualidade e segurança, sobretudo para mulheres que não têm com quem deixar os filhos durante o expediente e a criação de espaços de amamentação. A legislação exige que, até o bebê completar 6 meses de vida, a organização libere, pelo menos, dois intervalos de até meia hora para a mãe amamentar a criança durante a jornada de trabalho, mas com os problemas de mobilidade que existem, esse tempo é exíguo e impraticável.



Por fim, não posso deixar de citar a necessidade dos cuidados com a saúde mental. Com a sobrecarga física e emocional, o adoecimento das mulheres é uma realidade, muitas delas acabam desenvolvendo crises de ansiedade, depressão e um sentimento profundo de solidão.

É crucial ficar atento a estes sinais e proporcionar um ambiente psicologicamente saudável para as mulheres relatarem seus desconfortos, dúvidas e medos. Desta forma, é possível garantir espaço para que elas possam criar seus filhos e, ao mesmo tempo, continuarem a investir em suas carreiras, sonhos e ambições.